(PARTE I)
Nem sempre é fácil acertar o relógio do tempo com as prioridades que todos os bons “ceguetas” merecem…
E a prova-cega de vinhos da casta Loureiro realizada no passado dia 4 de Junho, simultaneamente em Lisboa (restaurante “Sete & Meio”) e em Avidos, Famalicão (Restaurante “O Prato”), foi um daqueles momentos únicos que merece ser lembrado e relembrado.
Muros Antigos, Aphros Melissae, Ameal, Aveleda Parcela do Convento, Quinta da Palmirinha, Gorro, Anselmo Mendes Private, Terunho D’Alma, Soalheiro Germinar, Quinta de Tamariz, Pequenos Rebentos, Aphros Phaunus e Daphne, Parapente, Quinta do Ameal Reserva, Cisma, Camaleão, foi esta a magnífica selecção de Loureiros de excelência que mais de 30 felizardos tiveram o privilégio raro de saborear e apreciar.
Enquanto os resultados aguardam ansiosamente o fim-de-semana para serem divulgados, aqui ficam algumas curiosidades sobre o denominador comum da prova, a especialíssima
CASTA LOUREIRO
Casta de uva branca originária do Noroeste Península Ibérica, existem registos datados do século XVIII que já assinalam a sua presença, com o nome de «Loureira», no Minho (em Melgaço, em Vila Nova de Cerveira e na Ribeira do Lima) e, em 1885, na Galiza (com o nome de «Lauren blanco»).
Conhecida também por «Branco Redondo» no concelho da Póvoa de Varzim, por «Dourado(a)» em Viana do Castelo e por «Marquês» nos concelhos de Paços de Ferreira, Santo Tirso e Caminha, é cultivada em quase toda a região dos Vinhos Verdes e na Galiza, ocupando em Portugal uma superfície vitícola de mais de 5.200 hectares e, em Espanha, de cerca de 500 hectares.
Pensando-se que o seu nome advém da semelhança do perfume dos seus bagos com os aromas da flor e folha de Loureiro, dá origem a vinhos delicados que, normalmente, apresentam uma cor citrina clara e um aroma floral complexo.
Apesar de, durante muitos anos, ter sido associada a vinhos de produção massificada com forte componente aromática, possui potencialidades únicas que, fruto de abordagens mais cuidadas iniciadas há décadas atrás, levaram a que a sua qualidade tenha obtido já o reconhecimento de críticos e especialistas, posicionando-se alguns dos seus exemplares nas categorias cimeiras dos vinhos brancos nacionais.
Foi para se obter melhor conhecimento destes excelentes vinhos e oferecer a todos interessados uma oportunidade única de testar os seus gostos num ambiente descontraído, que a Associação Cegos Por Provas organizou a prova “às-cegas” de uma selecção dos melhores vinhos monovarietais da casta Loureiro que são produzidos no nosso país.
A prova, obviamente, foi admirável e marcante.
(PARTE II)
A aposta que nos últimos anos tem sido feita na casta Loureiro e os excelentes exemplares que, cada vez mais, têm surgido no mercado colocaram as expectativas bem altas, tanto no coração do Minho como em Lisboa.
A prova prometia e, chegada a altura que todos aguardavam, foi dado o tiro de partida de uma forma inédita: em vez da apresentação “às cegas” dos primeiros vinhos, foram abertos dois ‘loureiros’ completamente “às claras”. A ideia era abrir mentes, promover o diálogo, afinar padrões de avaliação e preparar o palato para o que vinha a seguir. Para tal, foram escolhidos dois vinhos com abordagens enológicas muito diferentes e de colheitas bem distintas: a última edição (2021) do conhecido MUROS ANTIGOS, concebido pelo “mestre” Anselmo Mendes, num estilo mais clássico, e o APHROS MELISSAE (nome inspirado nas ninfas do mel), da colheita de 2019, com uma acidez natural aveludada pelo tempo que, depois do contacto pelicular em inox, esteve a estagiar em ovos de cimento antes de ser engarrafado.
Seguiu-se o desfile dos néctares servidos “às cegas”, começando-se por dois vinhos de “casas” consagradas da Região dos Vinhos Verdes: a Quinta do Ameal, com o seu prestigiado AMEAL LOUREIRO 2019, e a Quinta da Aveleda, com a edição de 2019 do seu loureiro especial da PARCELA DO CONVENTO.
Do ‘classicismo’ passou-se para o ‘bio-dinamismo’: APHROS PHAUNUS 2021, um loureiro com baixo teor de álcool, fermentado espontaneamente com películas e estagiado durante 7 meses em ânforas de argila forradas com cera de abelha; e QUINTA DA PALMIRINHA LOUREIRO 2020, um vinho sem sulfitos e sem filtração que surpreendeu a maior parte dos provadores.
Após, foi a vez de se provarem dois magníficos monovarietais de loureiro, totalmente fermentados em cubas de inox: o GORRO 2021 da Portugal Boutique Winery, e o LOUREIRO PRIVATE 2020 de Anselmo Mendes, estagiado durante 9 meses, com bâtonnage regular, nos depósitos onde fermentou e, posteriormente, durante 1 ano, em garrafa.
Para completar o leque de vinhos da casta Loureiro não estagiados em madeira, foram servidos o TERRUNHO D’ALMA NOTAS SOLTAS 2020, produto do corpo (e da alma) do enólogo José Domingues, o SOALHEIRO GERMINAR 2020, produzido com uvas provenientes de uma vinha com mais de 30 anos plantada no sopé do Monte do Faro, em Valença, com forte influência atlântica, e o QUINTA DO TAMARIZ LOUREIRO SUPERIOR 2020, um vinho de Barcelos que honrou os pergaminhos de uma “casa” tipicamente minhota, carregada de história e de saber.
Após uma paragem “técnica” para reposição de energias (pois “nem só de vinho vive o homem”), avançou-se para a prova dos vinhos com fermentação e estágio em madeira, começando-se com o vibrante PEQUENOS REBENTOS LOUREIRO VINHAS VELHAS 2020 do talentoso Márcio Lopes, fermentado em barricas usadas provenientes de Puligny-Montrachet, e sujeito a subsequente estágio de cerca de 6 meses, com recurso a battonage. Seguiu-se o mais disruptivo APHROS DAPHNE 2020, um vinho fermentado parcialmente em barricas de castanho e em barricas de carvalho francês, bem como em ovos, com maceração pelicular e estágio ‘sur lies’.
Após, foi a vez da Joana Pinhão, enóloga com raízes ribatejanas que está a expandir o imenso saber que alcançou no Douro para outras paragens, chegar no seu PARAPENTE 2020 e apresentar um vinho da casta loureiro muito completo que, após fermentar em barricas usadas de carvalho francês de 300L, estagiou durante 10 meses em contacto com as borras finas, com battonage nos primeiros 3 meses. Formou uma linda parelha com o afamado QUINTA DO AMEAL RESERVA 2019, um loureiro com fermentação e estágio em barricas, com “bâtonnage” durante 6 meses, que dispensa apresentações, mas que sempre concentra atenções.
Para finalizar da melhor forma, foram provados dois vinhos muito especiais, um em cada uma das cidades onde decorreu a prova. Em Famalicão esteve à prova o QUINTA DO SANTIAGO CISMA OU OBSTINADOS 2019, um vinho desconcertante com a mão de Pedro Coelho (Pormenor Vinhos) e da produtora Joana Santiago que, após maceração de 12 horas, fermenta de forma natural e estagia 50% em cuba (borras finas) e 50% em barrica (borras totais). Em Lisboa, os enófilos presentes tiveram a oportunidade de degustar o CAMALEÃO LOUREIRO BARREL AGED 2016, um vinho fermentado e envelhecido em barricas de carvalho francês durante 18 meses que tem a assinatura do enólogo João Cabral Almeida e é fruto dos projectos pessoais que ele desenvolve, neste caso, na região dos Vinhos Verdes, ma também no Douro (Omnia) e no Dão (Musgo e Liquem). Um lamentável percalço na expedição dos vinhos impediu a prova simultânea dos dois vinhos (há quem diga que “a perfeição é inimiga do óptimo”), mas, mesmo assim, não quisemos deixar de presentar os “ceguetas” que disseram «sim» a esta desafiante iniciativa com mais uma experiência de que, estamos certos, não se esquecerão.
Muito obrigado a todos!