Curtas da ilha do Pico – parte II – Picowines

Curtas da ilha do Pico – parte II – Picowines

Na ilha do Pico, quem se interessa por vinho ou mesmo quem não se interessa, ou seja, todos, devem visitar o Museu do Vinho e a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico, agora modernamente designada por Picowines.

A Picowines é mais conhecida na ilha somente por “adega”. Quando alguém diz que vai “à adega” só há duas hipóteses: ou vai à sua adega particular ou à adega da Picowines. Este facto, é só por si revelador da importância da Cooperativa, em especial nos anos mais difíceis da cultura da vinha no Pico. Fundada em 1949, a Cooperativa lutou para manter vivas as castas nobres açorianas e a cultura da vinha em curral de pedra que mais tarde foi classificada e reconhecida como paisagem Património Mundial pela UNESCO. Nestes tempos, a principal produção era o “vinho de cheiro” feito de híbridos trazidos, essencialmente, dos Estados Unidos da América, os quais mataram a fome e a sede aos picarotos que nunca desistiram da sua terra, até agora… altura em que começou (mais uma) revolução no vinho do Pico com a aposta clara, nos últimos anos, nas castas brancas autóctones açorianas.

Foi neste ambiente de transformação, de ligação ao passado e de olhos no futuro, que fomos encontrar a “adega” com os seus mais de 250 associados.

Chegados à “adega” percebe-se claramente que estamos perante o maior produtor da ilha, o tamanho da estrutura e as marcas do tempo nela inscritas dão-nos a noção da sua importância. À nossa espera está Pedro Cavaleiro, coordenador geral.

Partimos para a visita à adega. Percebe-se a dificuldade de escoamento de vinho devido à pandemia (em especial do “vinho de cheiro” que é bebido, localmente, nas festas religiosas do Espírito Santo e outras, todas elas canceladas) com a aquisição de enormes cubas inox para armazenagem. Seguimos para outras áreas da adega: a zona das barricas, das prensas, das cubas inox mais pequenas onde são feitas as belíssimas experiencias das quais têm resultado os monocastas arinto dos Açores, terrantez do Pico e verdelho (não confundir com o verdelho de outras paragens), armazém, zona de rotulagem, enfim, por toda a adega. Apesar do edifício estar desgastado, nota-se que houve muito investimento recente em material numa tentativa clara de melhorar a qualidade. Há também uma aposta na qualificação dos seus recursos humanos com mais gente especializada e com o trabalho de Bernardo Cabral ao leme da enologia. Mais conhecimento aliado à tradição.

Pedro Cavaleiro vai-nos guiando e respondendo a todas as perguntas, mesmo as mais complicadas. Percebemos, pelas suas palavras, que o potencial da “adega” é imenso, não tivesse ela a dimensão de produtores com excelentes uvas e os melhores terroirs à sua disposição. Contudo, parece-nos que algumas das qualidades da “adega” são também as suas fraquezas: ter 250 associados torna difícil convencer todos a remarem para o mesmo lado e o facto da direção da cooperativa poder mudar rapidamente e, com isso, chegarem novos dirigentes que decidam mudar a 180 graus toda a política de produção recente são os seus maiores riscos. É com estes pensamentos que nos dirigimos para a sala de provas situada no primeiro andar.

Aqui, é chegado o momento da verdade: a prova. Antes disso, porém, distraímo-nos ao olhar para os diplomas de prémios na “Prova de vinhos brancos autóctones açorianos” em que a cooperativa tem colocado sempre um do seus monocastas nos três primeiros lugares. O 1º lugar do Arinto dos Açores 2017 é particularmente importante: para além de ser um grande vinho foi o primeiro ano que a “adega” lançou os seus monocastas e logo com este resultado.

Chegam os vinhos. Pedro Cavaleiro, surpreende-nos com o tiro de partida a ser dado por três vinhos brancos já com alguma idade, são eles o Frei Gigante 2009, Frei Gigante Garrafeira 2011 e Frei Gigante 2013. Percebemos que a abertura destas colheitas mais antigas é uma ocasião especial. Várias colaboradoras são chamadas a provar para que fique claro, a quem ali trabalha, o que estes vinhos podem dar com a idade.

E de facto podem dar muito. O Frei Gigante 2009 estava fabuloso com fruta fresca e verde, salino, vibrante. Na boca o mesmo registo, agora com alguma fruta branca presente num registo delicado e muito mar amparado por uma bela acidez. Longo final de boca. Foi um arranque de prova avassalador.  O Frei Gigante Garrafeira 2011 parecia menos fresco (foi um ano mais quente), com mais mel, untuoso, notando-se alguma madeira nada habitual por estas bandas. O Frei Gigante 2013 apresentou um perfil entre os outros dois, aproximando-se mais das qualidades do 2009. No passado, a cooperativa mudou algumas vezes de enólogo, alguns deles com visões diametralmente opostas à do anterior, pelo que estas diferenças de perfil dos vinhos poderão ter haver mais com o enólogo do que com qualquer outra coisa.

A cooperativa, com o seu espólio de vinhos, é a meca para a prova de brancos açorianos com mais idade. A prova de que os brancos açorianos podem envelhecer bem ficou dada e bem dada. Existe muito poucos brancos açorianos com idade guardados e, praticamente, nenhuns à venda, pelo que estas provas são raras, mas necessárias para aquilatar algo só ao alcance dos grandes brancos. Pedro Cavaleiro diz-nos que, recentemente, houve um momento único, por ocasião do aniversário do enólogo Bernardo Cabral, em que foram abertas todas as colheitas de Frei Gigante desde a primeira (2001). Foi unânime entre todos que o melhor vinho foi esse mesmo, o 2001. Um branco com quase 20 anos.

Segui-mos para outros vinhos mais recentes do portefólio da “adega”.

O Terras de Lava branco 2019 é um fantástico entrada de gama, austero e mineral com a fruta só em pano de fundo e a prometer bela evolução. O Terras de Lava rosé 2019 foi uma grande surpresa pela sua qualidade, incisivo, fresco e salino. Um rosé que não apetece largar. O Frei Gigante 2018 é talvez a melhor edição recente deste vinho histórico. Menos comercial e mais identitário, acidez elevada, marcadamente salino e com a diversidade em boca e no nariz proporcionada pelo blend das três castas açorianas. O Arinto dos Açores 2018, bem mais contido no nariz, estrutura delicada, salino, bom, mas a não fazer esquecer a estrondosa edição anterior de 2017.

Terminada a excelente prova, fomos recebidos para o almoço pelo Daniel Rosa no seu Restaurante O Petisca – excelente para amantes de vinho e boa comida – onde lá entraram algumas garrafas que vieram da prova às quais se vieram juntar um surpreendente Terras de Lava tinto Reserva 2017 feito de Cabernet Sauvignon a indicar que se podem fazer bons tintos no Pico e um Zarate 2018 para comparar a salinidade dos albariños atlânticos galegos com os açorianos, o qual agradou bastante aos comensais e que demonstrou que em termos de salinidade não é fácil entrar em despiques com os açorianos.

Seria fácil a conversa continuar toda a tarde à volta do vinho do Pico, isto se o pessoal da adega estivesse de férias.

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Cegos Por Provas

Os Cegos por Provas nasceram através da plataforma Facebook, apaixonados pelo vinho, o grupo desenvolve vários eventos vínicos a nível nacional.