Em Itália, por terras de Puglia, o Primitivo é rei

Em Itália, por terras de Puglia, o Primitivo é rei

Esta região de Itália tem sido, nas últimas décadas, desconsiderada dentro do mundo vínico italiano. Contudo, recentemente, tem recebido outro tipo de avaliação.

Gama atual da Tenute Chiaromonte

O vinho ali produzido, por ser em grandes quantidades e de fraca qualidade, era usado como “vinho da casa” em restaurantes por toda a Itália. Muitas vezes era também usado em lote com os vinhos do norte de Itália (Piemonte, Lombardia) por ter muito corpo e elevado álcool – equilibrando a frescura e acidez dos nortenhos – para baixar o preço e colocar em cima da mesa dos restaurantes italianos menos finos.

Recentemente, as coisas mudaram. Novos produtores, novas técnicas viticultura, novas adegas e, acima de tudo – creio eu – um novo e maior amor próprio.

A região assumiu o Primitivo como casta bandeira e especializou-se na sua produção. Gianfranco Fino (Puglia) recebeu a distinção de viticultor do ano de 2010 pelo Gambero Rosso, o mais prestigiado guia italiano. Esta foi a primeira vez que um produtor desta região recebeu tal prémio. Seguiram-se vários prémios e distinções de vinhos de outros produtores, colocando Puglia, definitivamente, no radar dos vinhos italianos.

Foi com este conhecimento “dos livros” que nos dirigimos à Tenute Chiaromonte em Acquaviva delle Fonti (DOC Gioia del Colle), a cerca de 30Km de Bari, recomendada vivamente pelo nosso cegueta Giorgetti.

Feita a marcação de visita – muitos produtores não têm a casa sempre aberta a quem passar e preferem marcação prévia – seguiram-se os mapas do Google. Fomos parar a uma zona industrial típica do sul de Italia, num descampado seco, de matiz amarela, estradas esburacadas e de pouca limpeza à volta. Entramos na zona de um armazém e aí tudo parecia muito mais aprumado. Nada de nomes, letreiros e afins. Era ali a antiga adega, a qual ainda produzia parte da produção, mas a visita iria ocorrer na nova adega a cerca de 10 minutos de carro. Lá fomos.

Chegados, vimos uma adega moderna, imponente, no meio das vinhas. À porta estava Gentile Francesco com o seu sorriso contagiante, o sommelier-chefe da Tenute Chiaromonte.

A grandiosidade da nova adega e o profissionalismo contrastam com a forma como nos fazem sentir imediatamente à vontade. Respira-se um misto de tradição, respeito pela terra e contemporaneidade. A arquitetura futurista da adega contrasta com a paisagem bucólica dos campos de vinha ao redor.

Obras onde irão nascer o novo restaurante, sala de provas/multiusos e alojamento

Iniciou-se a visita à adega ou cantina, como se diz em italiano. Pelo meio da visita vislumbra-se umas grandes obras. A zona de produção de vinhos está praticamente completa, mas as obras continuam e durarão mais três anos. É um enorme empreendimento onde constará a adega, sala de provas e eventos, um alojamento e um restaurante, todos posicionados num segmento premium.

Cave de espumantes

Chegados à cave, duas surpresas: milhares de garrafas de espumante e música clássica como pano de fundo. Não seria de esperar encontrar ali espumantes. Gentile explica que a aposta nos espumantes era nova, pois ainda não foram lançados no mercado. As castas estrangeiras Chardonnay e Pinot Noir dão corpo aos espumantes. Conversa puxa conversa e entra o tema da frescura. Gentile afirma que Acquaviva delle Fonti é a região mais fresca de Puglia (solos predominantemente calcários e com as maiores altitudes – 300 metros – num mar de planícies ao redor).

A música, clássica e de outros géneros, está presente em toda a cave de espumantes com um sistema de som de elevada qualidade, mas não só: também está presente no terreno junto das vinhas de maior qualidade, pretendendo-se, no futuro alargar a música a toda a vinha. A explicação – não totalmente compreendida por nós uma vez que a dado momento começamos a comunicar em italiano – era de que, em cave, melhorava o estágio em garrafa dos espumantes. Nas vinhas tinha o mesmo efeito sobre a planta e que melhorava o desempenho trabalhadores. Falou-me em vários estudos que o comprovam. A cantina que ganhou o galardão de vinho tinto do ano de 2017 pela mão da Gambero Rosso saberá, decerto, o que faz.

Seguimos para a sala de provas onde foram provados um branco e quatro tintos. O Kimia branco 2017 era varietal da casta Fiano e não me ficou na memória, por ser demasiado doce para o meu gosto. A fazer lembrar uma espécie de Moscatel Galego, mas muito bem feito. Passamos para os tintos. Todos eles 100% Primitivo. O primeiro um vinho de 6€ chamado somente Primitivo 2017. Um vinho de entrada a um preço de combate e com uma RQP capaz de fazer empalidecer os melhores RQP portugueses. Aqui a casta apresenta-se descontraída, menos concentrada, de cor aberta e incidência na fruta vermelha fresca. Seguiram-se os outros três tintos. É possível perceber claramente o fio condutor da gama apresentada: tudo aumenta de qualidade ao longo da prova, mantendo uma matriz comum. Passamos pelo Muro Sant’Angelo 2017, seguiu-se o Muro Sant’Angelo Contrada Barbatto 2015 (o tal que ganhou o vinho do ano em Itália) e, por fim, um dos dois topos de gama, o Chiaromonte Riserva 2013 (aqui já ultrapassando a centena de euros). O álcool elevado (>15°) mantém-se impercetível. As nuances, a fruta, a concentração, a cor, tudo aumenta sem se perder, por um momento, o equilíbrio.

Esta foi a principal surpresa, o equilíbrio. São vinhos que à partida, pelas suas características, podíamos esperar que fossem desequilibrados, no entanto, apresentam um equilíbrio notável e, no meu entender, grande qualidade. São vinhos quentes, com corpo notório, alcoólicos, incidem na fruta vermelhas e pretas como cereja, amora e ameixa preta, alguma acidez e taninos finos. São, repito, incrivelmente equilibrados.

Vinhos em prova

Satisfeitos, feitas as compras e as despedidas, lá abalamos com a mala cheia e mais alguns dogmas vínicos colocados no caixote do lixo. Ao afastarmo-nos ouvíamos música em pano de fundo.

Texto _ Bruno Raposo

Categorias Wine Experience
Tags: Itália

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