Porto Santo

Porto Santo

De férias por Porto Santo, onde aparentemente não existirá nenhuma garrafeira e após me terem falado, sem grande entusiasmo, do vinho local, fui encontrá-lo no Wine Bar 3Vs (vinho, vinha e volta). Mesmo no centro da Vila Baleira, este histórico local é pertença do casal Diogo e um verdadeiro exlíbris vínico, onde podemos encontrar não só os vinhos produzidos pelo Sr. José Diogo (ou professor Diogo, como é por aqui conhecido), como uma sangria de receita tão exclusiva como original ou uma poncha que envergonha todas aquelas que havia bebido até então…Além das bebidas, podemos ainda encontrar compotas, sabonetes e, imagine – se, acendalhas naturais produzidas com as grainhas das uvas. Nada aqui é desperdiçado…

A curiosidade sobre os vinhos era grande, atiçada pelo ambiente do local e pelo conhecimento que o professor Diogo nos ia transmitindo sobre a história do vinho nesta ilha, outrora tão abundante e, nos dias de hoje, quase deixado ao abandono. 
Começamos por provar um branco de curtimenta, colheita de 2018, feito de uva caracol. Casta única, que terá sido trazida para Porto Santo na década de 1930, de África do Sul e onde teria o nome de Olho de Pargo (entretanto, ter-se-á extinguindo por lá). Plantada por um agricultor local com alcunha “caracol”, cedo começou a ganhar fama, não só pela qualidade do vinho que produzia, mas sobretudo pela produtividade que permitia, tendo-se dado como pargo na água nos solos arenosos de Porto Santo e rapidamente se espalhado pela ilha. 


Provámos primeiro a temperatura ambiente, com copo curto, de vidro grosso e sem pé, como é tradição. Com um nariz tímido, na boca mostra algumas notas compotadas, de aparente oxidação, quem contrastam paradoxalmente com uma robusta acidez, num conjunto todo ele imerso numa salinidade que não deixa esconder a origem insular do vinho. Mais fresco, e já em copo de pé e vidro fino, ganha outra aptidão gastronómica e deixa-nos a pensar no que poderíamos saborear com ele… 
Depois deste, vieram os moscateis, de umas vinhas deixadas pelo sogro. Todos, colheita de 2003 e servidos a temperatura ambiente. Com um nariz vegetal, e um acidez cortante e a marcar toda a prova, aquele que mais nos impressionou foi o meio doce, tendo todos eles uma qualidade à partida inesperada. 


Por fim, degustou-se o Língua de Vaca, colheita de 1980, elaborado sobretudo da casta Canim (75%), tendo ainda Uva Caracol, Jaqué (Jacquet) e Listrão. A história deste vinho é enriquecida por uma viagem num barco tradicional, em 1998, rumo a Lisboa, à exposição mundial que por lá se realizou nesse ano. É convicção do Sr. José Diogo que essa viagem contribuiu para melhoria do então já cobiçado vinho. Pleno de salinidade e com uma acidez marcante, o vinho deslumbra-nos desde o primeiro gole, deixando o seu longuíssimo final, uma vontade imediata de o voltarmos a provar…

Num mundo vínico cada vez mais normalizado, onde tantas vezes, nem os mais experientes provadores são capazes de distinguir a região, experiências como esta são únicas, levando-nos para tempos que não chegamos a viver e semeando a vontade de continuar a descobrir estes tesouros que o mundo dos vinhos ainda tem para nos mostrar….

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