Expedição báquica ao Paço dos Cunhas de Santar

Expedição báquica ao Paço dos Cunhas de Santar

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, gosto dela porque ela não sente nada, gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes oiço passar o vento, e acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.” Fernando Pessoa

Ao trilhar o caminho duro de graníticos, vamos desembocar num mar de vinhas, que se estende por mais de 100 hectares. É assim a vida, sem pedras não há vinho. As cepas e as pedras têm uma relação muito íntima. É a partir das rochas, que se desenvolve a mais pura e nobre terra, de onde nascem os vinhos que seduziram os Deuses e deslumbram os homens.
Mergulhado nos vinhedos, impõe-se um imponente e monástico edifício – Paço dos Cunhas de Santar, constituído por duas casas apalaçadas que datam do séc. XVII e XVIII, que anteriormente se dedicavam à produção de azeite, vinho e fruta para abastecer os mercados do Porto. Um local de charme, imperdível, onde se respira e transpira vinho.
Guiados pela mão da simpatia e hospitalidade da enóloga Magda Santos, entre pinhais e soutos verdejantes, ficamos a conhecer a sua história, as vinhas, e a afamada vinha dos amores, um dos locais mais emblemáticos da quinta, onde, diz-se, antigamente se refugiavam os amantes. Estas localizam-se numa encosta de solo e exposição solar privilegiados, é o berço de excelência do Encruzado e da Touriga.
Pelas ruelas, que abrigam as casas senhoriais de granito, ou as tradicionais casas beirãs, ergue-se um imponente chafariz que “paralisa” as atenções, data de 1790, conhecido como a “Fonte dos cavalos” onde estão portados os quatro cavaleiros trajados ao rigor do século XVII. Cada um destes cavaleiros representa cada uma das famílias, cujos nomes vingam o esplendor da Casa. As adegas, construídas em granito, com os seus frescos de azulejos históricos, abrigam, num ambiente do passado, as mais modernas e avançadas tecnologias. Um passado com presente e com muito futuro. Depois de atravessar as adegas passamos pela sala de estágio, onde os tourigas repousam tranquilamente nas barricas de carvalho francês.

É incrível como tudo se encontra bem zelado, sendo de destacar o cuidado extremo na conservação da preciosa azulejaria, tapeçaria e mobiliário.
Um aspecto muito curioso, é o facto desta grande propriedade vinícola, representar apenas uma pequena fatia de extenso Universo- a Dão Sul, do qual fazem parte as Quintas de Santar, Quinta dos Grilos e Quinta de Cabriz. Enfim, chegada a altura do veredito, a prova dos vinhos realiza-se num vetusto salão do século XVII.
A inaugurar o trio de brancos, o Colheita Branco 2019, elaborado com as castas Encruzado, Cercial e Bical apresenta-se com uma cor citrina intensa com abundantes tons esverdeados. No nariz destacam-se as notas de citrinos, ananás e alguns apontamentos florais que lhe conferem elegância. Sabor frutado, fresco, elegante com um final feliz. A seguir apresenta-se o Reserva Branco 2015, que mostra ser um branco com uma riqueza e uma concentração das variedades locais Arinto, Cerceal e Bical, que dão corpo a um vinho de aparência límpida de amarelo-ouro. No nariz enaltecem-se as notas evoluídas de madeira molhada que interagem muito bem com os citrinos e com o ananás. Na boca revela-se frutado, fresco, com notório volume, elegante, longa persistência. A encerrar a trilogia dos brancos, o Vinha dos Amores Encruzado, que se apresenta cristalino, dourado e límpido no copo. A cor deste vinho é única, penso que se apagássemos as luzes, ele continuaria a emitir luz própria, como se de uma estrela se tratasse. O nariz  revela fruta de caroço bastante madura como o damasco, uma pitada de citrinos e pinceladas tostadas.
A passagem do nariz para a boca é estonteante, entra no palato com as notas maduras do nariz, mas depois ganha vida e frescura com o aparecimento de alguma mineralidade, vegetais, ervas e pinheiro. O final é longo, regressando aos citrinos do nariz, fazendo da prova deste vinho uma constante viagem entre passado, presente e futuro.
A passagem para os tintos, é feita com o Colheita 2015, produzido com as castas Alfrocheiro, Tinta Roriz e Touriga Nacional. Ainda é um petiz, mas é daqueles que não engana. Como é óbvio, os  aromas de frutos vermelhos maduros, mirtilos e amoras estão ainda muito presentes. Na boca revela-se poderoso, mas elegante, equilibrado, taninoso com boa capacidade de guarda. A seguir a procissão, apresenta-se o Reserva Tinto 2012, que apesar de ainda estar um pouco amanteigado resultante da sua idade e do estágio em madeira, já revela violetas, café, chocolate, baunilha, cereja, ameixa vermelha, amora e mirtilos. A sua excelente acidez mostra que vai envelhecer bem, ganhar complexidade e arredondar os taninos. A finalizar este trio, o Vinha dos Amores Touriga Nacional 2011, mostra-se intenso, libertando no aroma amoras, mirtilos, cassis, esteva, ervas, violeta e uma madeira de excelente qualidade. Complexidade, equilíbrio, volume, intensidade e uma acidez incrível. A inaugurar o ultimo trio da prova apresenta-se o Casa de Santar 2000, um vinho com laivos atijolados, exibe notas de tabaco, fumo-de-corda. Na boca a sua entrada revelou um vinho solidamente estruturado, generoso no álcool e com taninos pronunciados, austeros, quase rústicos. O Casa de Santar Reserva 2003, mostrou- se no nariz com notas de torrefação e algo químico que foi se dissipando com o tempo. Na boca, taninos algo rústicos, alcaçuz, acidez alta e final de boca macio. A encerrar o desfile, o Casa de Santar 1978, apesar de ainda estar um pouco amanteigado resultante da sua idade e do estágio em madeira, revela notas de café, chocolate, baunilha, couves e fumeiro. Na boca denuncia uma acidez desequilibrada, licoroso e finaliza bem.
Depois de tanto tanino, chegou o momento de afagar o estomago, com as delícias da região. Fomos agraciados com a máxima hospitalidade do Director Osvaldo Amado, que nos brindou com a sua ilustre companhia ao almoço. Com os sentidos exaltados, pelo ambiente ímpar proporcionado pelo Solar de estilo da renascença, segue-se uma viagem pelos sabores da região, que se inicia com um cremoso e aveludado risotto de camarão que se fez seguir por um lombinho de porco preto; e para finalizar um inebriante folhado de queijo, mel e nozes. Vinha do Contador branco e tinto e Colheita Tardia Outono de Santar, foram os escolhidos para protagonizar o almoço. Finda a experiência, aprendemos que quando se bebe um Casa de Santar não se está a beber vinho, está-se a beber história, cada gole é uma cápsula de memória, vida e vibração, adorámos. Experimente e verá.

Texto escrito por Vanessa Schnitzer

Categorias Wine Experience

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Os Cegos por Provas nasceram através da plataforma Facebook, apaixonados pelo vinho, o grupo desenvolve vários eventos vínicos a nível nacional.

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