Foi com aquela sensação de amargo de boca e de “o que é bom acaba depressa” que entramos no último dia de visitas neste fantástico périplo pelo Dão.
Depois das despedidas da fantástica Quinta da Fata e do seu anfitrião o Senhor Eurico rumamos à Quinta dos Carvalhais, a casa no Dão da gigante dos vinhos Sogrape. Fomos recebidos pela mulher que neste momento é a timoneira desta quinta, a simpatiquíssima Beatriz Cabral de Almeida que nos recebeu na zona de receção das uvas. Confesso que ia um pouco séptico, visto que a minha onda vai mais para coisas de menor dimensão… mas como também já aprendi que as primeiras impressões nem sempre são as melhores, mais valia manter o espirito aberto. Começamos por uma explicação daquilo que foi a história da Sogrape no Dão, com a sua implementação em 1957 sem vinha própria, até à compra da Quinta dos Carvalhais em 1988 e a feitura do primeiro vinho na respetiva quinta em 1990, seguida depois por uma volta pela quinta. A quinta tem cerca de 100 hectares, em que 50 estão cobertos por vinha. Situa-se a uma altitude a rondar os 400 a 500 metros e o solo é predominantemente granítico, apesar de em algumas zonas aparecer alguma argila, o que se torna benéfico para ajudar a uma maior retenção de água.
Neste momento a quinta tem plantado 4 castas tintas sendo elas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Jean e Alfrocheiro e 3 Brancas Encruzado, Verdelho e o surpreendente para esta região Sémillon. No ano anterior, a história dos incêndios também bateu a esta porta, afetando uma boa percentagem da vinha, seja pelo incêndio direto, seja pelo calor despoletado pelas chamas. Sabe-se a área afetada, mas as consequências ainda estão por calcular e neste momento apenas se pode esperar e ver se a natureza foi generosa e a videira forte o suficiente para se regenerar e continuar a sua ligação entre o homem e a terra. No meio da quinta tivemos o prazer de visitar uma parcela com uma história que vem do Neolítico e que ainda hoje se quer manter na ribalta, falo da vinha da Anta. É uma parcela de vinha que tem como vizinha uma construção pré-histórica, concretamente um Dólmen, e ao mesmo tempo (nos dias de hoje) produz uma excelente Touriga Nacional que tem sido utilizada nos melhores vinhos da quinta como é o exemplo do “Único”, feito pela primeira vez em 2005 com uvas desta vinha. De salientar também que em todo o espaço plantado da quinta existem diversas parcelas da mesma casta, o que segundo a Beatriz, permite um maior leque de escolha na hora do desenho final de um vinho, visto existirem diferenças que se demostram todos os anos em cada parcela. De regresso à adega fez-se uma visita a todo o seu espaço, começando pela zona inicial de receção, esmagamento, fermentação, até à zona de estágio, onde se destaca claramente a bela sala de barricas onde estagiam os melhores néctares da casa. Foi engraçado verificar que os vinhos mais antigos ali a estagiar… eram brancos… o que levou à pergunta natural do “porquê?”. A resposta é simples… são para a feitura de outro ícone da casa, o “Branco Especial”. Este vinho tem origem em vinhos brancos de várias colheitas da quinta que depois de selecionados, são misturados consoante o resultado que se queira, até atingir o ponto achado o correto. Antes do almoço, mas já com o olhos postos num forno a lenha que agoirava ter algo de muito bom no seu interior, fomos fazer uma prova preparada pela Beatriz.
Tínhamos naquele momento o desafio de provar 4 brancos e 4 tintos.
Começamos pelos vinhos com a marca mais icónica da casa e uma das mais icónicas do Dão e do Portugal vinícola, o “Grão Vasco”. Agora colocado como entrada de gama, é um vinho que resulta da já antiga relação que o Sogrape mantém, de forma muito positiva aliás, com cerca de 250 viticultores de toda a região (chegaram a ser 750) que vão fielmente entregando todos os anos as suas uvas ao cuidado desta empresa. No caso do branco (2017) estamos a falar de um vinho feito com Encruzado, Malvazia Fina, Bical e Verdelho, onde sobressaem as notas cítricas e tropicais, juntamente com um lado floral que lhe dá muita graça. Na boca tem uma frescura muito interessante, com o citrino a sobrepor-se (limão), mas com uma acidez muito bem medida e controlada. No caso do tinto, estamos a falar de um vinho composto pela quatro castas chave do Dão atual, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Jean e Alfrocheiro. É um vinho bem interessante de aroma, a puxar um lado silvestre e de bosque, que depois se confirma na boca com uma sensação de frescura, acompanhada por uma garra surpreendente e com um tanino que indica que o caminho deste vinho é para a mesa. No seguimento do “Grão Vasco” entraram em cena os “Quinta dos Carvalhais”, feitos exclusivamente com as uvas da quinta.
Começamos pelos brancos, mais concretamente pelo Colheita Branco 2016, composto por 70% de Encruzado em que 10% deste estagiou em madeira e 30% de Verdelho. Está muito bem conseguido, é um vinho predominantemente floral, mas também com um lado herbáceo bem interessante, que na boca se mostra fresco e com uma bela acidez, e ao mesmo tempo com um volume muito interessante que vai até ao final da prova de uma forma bem marcada e persistente. De seguida vieram dois pesos pesados da casa, o monocasta Encruzado (2016) e o Reserva (2013). No caso do primeiro só me ocorre uma palavra – Equilíbrio… Este vinho tem tudo no lugar certo, o aroma é marcado pelos citrinos mas nada de exuberante, a madeira no ponto certíssimo sem exagero algum, acidez, volume, tudo corretíssimo… Podem agora pensar “é tão certinho que vai chatear”… não, é exatamente ao contrário é desafiante… quase que apetece apontar algo… mas não há nada para apontar… e quando se vai a ver andamos às voltas com o copo e percebemos que é daqueles que fica na memória. O Reserva já não é desafiante… é arrebatador… é um vinho com tudo o que foi descrito no Encruzado, mas com A+. É um vinho de Encruzado e Verdelho com 3 anos de estágio em barrica. Aroma complexo com o lado herbáceo a vir completamente ao de cima, folhas secas (tabaco), caruma. Na boca é um vinho que apesar de um volume gigante é fresco e mineral ao mesmo tempo, sensações que nos transporta para um final super complexo. Passando aos tintos provamos em primeiro o Colheita 2015 elaborado com Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro. No nariz são evidentes as notas mentoladas (hortelã) e de pinho, na boca é um vinho com uma fruta no ponto e com um tanino não muito agressivo, mas com uma força suficiente para se afirmar como um bom companheiro para a mesa. Tal como nos brancos, para o fim ficaram dois vinhos enormes, o primeiro, o Alfrocheiro (2015) foi o vinho que mais me surpreendeu em toda a prova, tinha um aroma quente (não é muito habitué) e todo ele exclamava elegância. A complexidade era assinalável com um lado balsâmico, que também dava lugar a uma vertente herbácea. Um vinho finíssimo. Em segundo lugar fomos presenteados com o Reserva 2012. Trata-se de um vinho que todo ele grita por elegância… uma elegância quase sensual… É vinho que para além da fruta preta e do lado de bosque, apresenta uma madeira super bem integrada que compõem um conjunto guloso e tentador. Grande vinho. Terminada esta desafiante etapa passamos para a fase final da nossa visita, o bendito almoço, que durante a prova nos ia entrando pelas narinas. Ainda antes de nos sentarmos à mesa tivemos a oportunidade de visitar uma magnífica divisão destinada à guarda de algumas garrafas de todos os vinhos produzidos pela Quinta dos Carvalhais. Foi mais uma surpresa, pois estamos a falar de um espaço em que toda a envolvência o torna quase que um templo para os amantes do vinho. Muito bem organizado e apenas com a luminosidade que entrava pela porta, podemos dizer que estivemos perante um momento quase mágico.
Mágico foi também a refeição com que fomos presenteados a seguir, com enchidos grelhados e um magnífico queijo da Serra para abrir o apetite e um soberbo cabrito assado no forno para rematar uma manhã fantástica. A acompanhar tivemos os vinhos anteriormente provados, bem como duas surpresas, o Quinta dos Carvalhais Reserva 2015 e uma preciosidade vinda da reserva de vinhos da quinta, um Encruzado de 1992. Para encerrar com chave de ouro um outsider, um Sandeman branco 20 Anos (marca do grupo Sogrape) e uma mousse de chocolate que como diz uma amiga “soube a vida” Para a posteridade ficam estas recordações, em que uma das principais é sem duvida o bocado muito bem passado que os Carvalhais na pessoa da Beatriz no proporcionaram e também a repetição do que já sei sobre as “primeiras impressões”.
Um muito obrigado em nome de todos os “Cegos por Provas”
Texto escrito por Fernando Costa