Um dia no Simplesmente 2020

Um dia no Simplesmente 2020

No sábado foi dia de rumar ao Simplesmente Vinho. É um evento alternativo, que em 2020 reuniu 101 vignerons (produtores/engarrafadores) de Portugal, Espanha, EUA e um convidado de França. A ideia é ter vinho que respeita a terra e o terroir, a vinha e as uvas, pessoas e tradições.

Dos Açores foi possível provar três vinhos brancos de qualidade de dois produtores. Da Adega do Vulcão provei o Ameixâmbar produzido com uvas das ilhas do Faial e do Pico. Este vinho é muito bom e fácil de gostar, já ficou em segundo lugar, naquela que foi a terceira edição da prova cega de vinhos brancos dos Açores, organizada pelos Cegos Por Provas que decorreu associada ao Wine In Azores, em S. Miguel. Do mesmo produtor, o Rola Pipa 2017 é um vinho com maior acidez mas ainda assim muito bem integrada e com um final mais longo. A Cerca dos Frades é de um outro produtor (Tito’s) com a mistura das três castas brancas dos Açores, que deu origem em 2019, a vinho tenso, salino e com um final de boca prolongado, grande vinho branco.

Dos verdes provei os vinhos Sem Igual do João Camizão, que continua a inovar sempre com grande qualidade e com a frescura, sempre como linha orientadora. Dos novos provei o Espumante Sem Igual Brut Natural 2015, Espumante rosado Pét-Nat Sem Igual 2019 (Touriga Nacional e Baga), sem adição de sulfitos e as novas colheitas do Sem Mal 2018 (malolática ocorre na garrafa e não é filtrado o que dá origem a gás natural) e do Ramadas Metal 2018 (um pouco mais redondo do que a colheita anterior e já pronto a beber). Ainda assim, acho que o melhor vinho é o Ramadas Wood 2017 em que a madeira agora já está muito bem integrada, notando-se pouco e com uma acidez estonteante que o torna imensamente gastronómico e com um final de boca longo.

Do Douro estavam os vinhos Mapa do Pedro Garcias, jornalista e crítico de vinhos, em que foi possível provar o Grande Reserva e o Reserva Especial que são vinhos encorpados, poderosos e frescos (ao estilo clássico duriense) e o Vinha dos Altos e Vinha Cristina mais elegantes e ainda mais frescos e fáceis de beber, mesmo sem comida. Por último, o Vinha dos Pais 2016 um grande branco duriense a provar que nesta região conseguem-se vinhos brancos bem frescos e gastronómicos.

Também foi possível provar vinhos de grande qualidade pela mão do Álvaro Martinho, um viticultor de excelência, através dos Maquia e Mafarricos, alguns mais fáceis, outros bem poderosos como Mafarrico a Minha Vida mas todos frescos e que dão vontade de beber. Da Rita Marques, para mim, destacou-se o Conceito e o Ontem brancos, bem diferentes entre si, mas já a dar uma grande prova, claro que com mais uns anos ainda serão melhores, já nos tintos, os taninos ainda estavam em evidência, principalmente no Conceito tinto, que eu adoro, mas esta colheita (penso que era o 2017) estava com um nível de adstringência a fazer lembrar um Baga clássico novo. Tem tudo para ser um grande vinho, mas diria que deve precisar de mais uns 4 a 6 anos.

Os Goblet da Portugal Boutique Winery são de vinhas muito velhas no Planalto Mirandês em que o Nuno Vaz e António Olazabal Ferreira mostram que é possível fazer vinhos fantásticos em locais inesperados. Também em Trás-os-Montes provei os Valle Pradinhos, um dos produtores mais antigos e conhecidos da região. O Valle Pradinhos Reserva 2017 está muito bom, já preparado para uma boa carne e de preferência com algum tempo de decantação, claro que este é daqueles que envelhece muito bem. O The Lost Corner 2017, só com castas portuguesas (Tinta Amarela, Tinta Roriz e Touriga Nacional), é mais elegante, fresco e com um sabor guloso e prolongado.

Já o Valle Pradinhos Grande Reserva 2015 com Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional, é um vinho muito encorpado e poderoso mas fresco e com um final muito prolongado. É um grande vinho que precisa de mais uns anos para amaciar um pouco os taninos.

Da Bairrada provei quatro produtores, dois clássicos e dois relativamente novos mas todos de muita qualidade. O Vadio é um pequeno produtor liderado pelo enólogo Luís Patrão que tem um conjunto de vinhos de muito bom nível, desde o Vadio Colheita até ao extraordinário topo de gama Rexarte, de uma parcela de baga virada a Norte, que tem um equilíbrio notável entre potência e elegância. Já de muito bom, foi possível provar o Grande Vadio de 2014 (um dos poucos vinhos tintos superiores que foi possível na Bairrada em 2014, um ano marcado por muita chuva que causou demasiados problemas nesta região) e também assinalável é o Vadio 2010 uma prova de como a Baga envelhece bem e nem sequer é preciso ser um topo de gama. Os espumantes também foram muito do meu agrado, sem excesso de gás e com bolha fina e muito frescos.

Os Quinta da Vacariça, apesar de ser um produtor recente e ser liderado por François Chasans, tem vinhos ao estilo clássico, do qual o Garrafeira 2008 é o seu expoente máximo, com um nível de tanino que acho daqui por 10 anos ainda será jovem, precisando de decantação prolongada e comida à altura. Já os Garrafeiras 2009 e 2015 apesar de potentes, já dão uma grande prova com frescura e final muito longo.

O Luís Pato veio com o Vinhas Velhas tinto 2016 e 2010, em que se percebe a mudança que se tem vindo a verificar, com o 2016 com um nível de tanino bem menor do que o 2010 que estava fantástico, mais uma vez a provar que um baga para envelhecer bem, não precisa de ser um topo de gama. Depois provaram-se vários espumantes, a maior parte verdadeiramente surpreendente. Por exemplo o Brut 1997 tinha um aroma evoluído e uma boca com poucas bolhas, mas espantosa de boa que estava.

A Quinta das Bageiras do Mário Sérgio (uma das pessoas mais simpáticas e autênticas que conheço no mundo do vinho) também apresentou o Quinta das Bageiras Grande Reserva Brut Natural 2015, um espumante com um sabor fantástico, daqueles com bastante potência e frescura, que pede um Leitão como tão bem se faz na Bairrada. Nos brancos o destaque vai em absoluto para o Pai Abel 2017, provavelmente o branco que mais prazer me deu no Simplesmente, é um vinho opulento mas sem ser pesado, com a madeira só a dar complexidade e uma acidez brilhante com um final muito prolongado, certamente com uns anos será melhor, mas é daqueles que é preciso fazer um esforço para não o beber, tal é a magnifica prova que já dá. Nos tintos, o Avô Fausto tem um perfil um pouco mais elegante do que é habitual no produtor, mas ainda assim, com taninos notórios a precisar de mais algum tempo ou comida à altura. Já o Garrafeira 2016 é um vinho encorpado e muito poderoso, fresco e com um final interminável, à boa moda dos garrafeiras clássicos, a precisar ainda de vários anos para dar o prazer para que foi feito (diria que idealmente, não devia de ser consumido antes de 2026 e depois deve-se manter em grande, por mais uma ou duas décadas).

Do Dão provei dois produtores ousados que são a essência do Simplesmente, com vinhos de terroir e de intervenção mínima ou como alguns chamam de “vinhos naturais”. O António Madeira, francês luso-descendente, tem as suas raízes familiares no sopé da Serra da Estrela, sub-região do Dão. E é daqui que nascem os seus vinhos frescos, austeros e minerais, desta vez só provei os tintos porque os brancos já tinham acabado. É um produtor com uma quantidade de garrafas muito pequena, mas que nestes eventos tem muita procura dada a sua qualidade e originalidade. João Tavares de Pina, na Quinta da Boavista, em Penalva de Castelo, a 500m de altitude, faz vinhos frescos, alguns mais fáceis de beber para beber em jovens e outros de estilo mais clássico para envelhecer. Ainda ano passado provei um maravilhoso Terras de Tavares Reserva 2003 que estava fabuloso.

De Lisboa provei os Espera, um novo projeto com vinhos incrivelmente frescos, o Branco com acidez crocante e um Rosé ao mesmo nível, sendo que o Castelão é um dos melhores nacionais e o Palhete num estilo difícil e também difícil de explicar, só provando, mas não será nada consensual. Do Vale da Capucha seguiu-se um rol de vinhos em que a qualidade impera, com alguns mais frescos e tensos como o Arinto, outros mais diferentes como o Branco Especial.

O Joaquim Arnaud trouxe-nos um conjunto de vinhos muito interessantes de Lisboa e Alentejo, em que se o Arundel Tradition 2015 é muito bom, o que dizer do grandioso Arundel Number Four, um vinho poderoso, fresco e muito longo. Do Alentejo também estava um produtor que adoro, o Miguel Louro da Quinta do Mouro, uma das personagens mais interessantes no mundo do vinho, que não tem medo de arriscar e de dizer o que pensa e por isso, é sempre um gozo provar os seus vinhos e ouvir as suas histórias. Desta vez, só não realço particularmente nenhum dos seus vinhos, pois já conhecia a maior parte e alguns dos que queria provar não estavam no Simplesmente. Contudo, provei o Primeiro Nome do Miguel Barroso Viegas Louro (filho), que também ajuda e bastante, o pai na Quinta do Mouro, e gostei bastante tanto do branco como do tinto.

De Espanha provei três produtores com bons vinhos (nas fotos vê-se os que mais gostei) em que o destaque vai para os fabulosos e invulgares Souson e o Caiño Longo dos Canotos do produtor Cume de Avia (Ribeiro na Galiza). Estes são vinhos com corpo médio mas tensos e bem longos, então o Caiño Longo, graças aos seus taninos fabulosos é capaz de ter sido o vinho tinto que mais prazer me deu desta edição do Simplesmente.

Assim se passou um dia nesta edição do Simplesmente, a provar alguns dos bons vinhos nacionais, autênticos, sem artifícios desnecessários.

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