Regressamos do futuro até à Taboadella.

Regressamos do futuro até à Taboadella.

Nesta viagem que qualquer um pode experimentar (há até florestas para atravessar, para travar a corrida do tempo), depois de uma última floresta (Silvã, onde fica este lugar, significa floresta, em latim) chegamos até uma clareira onde o vinho se faz desde há muito, muito tempo. O chão ondulante que pousa sobre rochas graníticas, é coberto por uma mancha de vinha que vive ali e remata a linha da paisagem da topografia desta quinta. É um Dão clássico que vemos, onde houve em tempos uma Villae (quinta agrícola organizada) da qual restam apenas alguns vestígios, como o lagar romano que agora está perto da loja/mercearia antiga que foi reconvertida, e a partir da qual iniciámos o percurso que nos levou até à prova dos novos vinhos da Taboadella.

A descoberta deste “pequeno” paraíso escondido do Dão (apesar de conseguirmos abraçar toda a extensão da propriedade com um único olhar a partir das suas extremidades, onde estão a casa antiga e a nova adega, trata-se de uma mancha única de 40 hectares de vinha, uma das maiores do Dão, com uma altitude entre os 400 e os 530m) aconteceu há cerca de 10 anos, quando Luísa Amorim por aqui passou e sentiu de imediato um apego por esta paisagem e pelo potencial que uma quinta quase em estado de abandono lhe despertou. Numa altura em que a Quinta Nova se encontrava em plena expansão, nascia assim um novo cantinho na alma que exigia a dedicação da equipa já formada no Douro, que não mais deixaria de pensar neste lugar. (curiosamente fica à mesma distância que a Quinta Nova, relativamente ao Porto)

Adaptadas já a este território haviam as videiras-mãe de Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira; mais tarde em 1980 a vinha foi parcialmente replantada com castas como a Tinta Roriz e o Encruzado, o Cerceal-Branco e o Bical. Algumas outras foram tiradas como o Syrah, o Cabernet Sauvignon ou a Touriga Franca, para darem lugar às castas tradicionais do Dão e mais adaptadas aos cerca de 7 microterroirs com 3 tipos de granito que foram identificados. Os declives são maviosos e uma exposição privilegiada a sul/poente proporciona maturações lentas e vinhos mais suaves, como se veio a confirmar mais tarde no copo.

Voltando à equipa que vai conduzir estas uvas até à novíssima adega – edifício notável projectado por Carlos Castanheira, suportado por uma estrutura de madeira e forrado a aglomerado de cortiça, de onde se observa todo este “mar de vinha” – temos para além de Luísa Amorim, Ana Mota na Viticultura e Produção, Jorge Alves na Enologia e Rodrigo Costa como enólogo residente. A adega, um espaço com 2.500m2 de área coberta, caracteriza-se por espaços amplos e minimalistas, com uma organização, uma luz e um silêncio que proporcionam a qualquer visitante uma íntima tranquilidade; à excepção do tapete vibratório e do esmagador centrífugo que é calibrado consoante cada tipo de casta (!), na zona da recepção das uvas, todo o aparato técnico das cerca de 30 cubas (11 são em cimento, embora nestas primeiras colheitas ainda não tenham sido utilizadas) encontra-se de tal maneira oculto, que fica apenas o essencial, o que faz com que cada peça ganhe um estatuto mais próximo do de uma obra de arte. Prova disso a sala de barricas, que são observadas desde cima num passadiço aéreo… ou finalmente na magnífica sala de provas, com uma generosa varanda sobre o vinhedo, para onde nos dirigimos com vista à aguardada prova dos novos vinhos da Taboadella.

Os vinhos da Taboadella estão basicamente divididos em três gamas distintas, os mais acessíveis e prontos que são os Villae (PVP a rondar os 9,90€), os Reserva (todos eles monocasta, com um PVP a rondar os 15,90€) e por último os Grande Villae, branco e tinto (PVP de 38,00€ e 59,00€ respectivamente). Das minhas notas de prova, achei os tintos de uma maneira geral mais afinados e a mostrar desde já o carácter do Dão, desde o aroma, à textura, ao aparecimento de todas aquelas “especiarias” florais e florestais desta região.

Nos Villae o branco é feito com Encruzado, Bical e Sercial; é um vinho um pouco floral e exuberância contida, firme, com um bom ataque em acidez a equilibrar as notas mais doces da fruta branca que apresenta. O tinto é muito atractivo e genuíno, com aromas a ligeira grafite, pinhal e caruma, muito agradável desde já, com uma elegância bem conseguida.
Já nos Reserva, temos o Encruzado 2018, onde para já sobressai ainda a barrica sobre a delicadeza de aromas do Encruzado. Na boca é tudo mais untuoso e envolvente, com ligeiro amargor no final, mas será necessário esperar por ele (vem de uma parcela de vinha com cerca de 35 anos). Nos monocasta tintos, o meu destaque vai para o Alfrocheiro 2018, que está fechado ainda, mas onde se buscam aromas de cereja, grafite, um tinto quase medicinal, finíssimo de boca, com boa acidez e que dá grande prazer. O Touriga Nacional está muito bem conseguido igualmente, pese embora a notória presença da barrica e de alguns tons mais violáceos da casta no nariz, na boca é tudo ao contrário, está amplo, tem bagos frescos, textura de precisão, de cor aberta, com o tanino apenas a mostrar-se. O Jaen é o mais “inconformado” de todos, percebe-se pela sua superfície que foi o mais difícil de manter na ordem dentro da adega, mas isso dá-lhe piada (principalmente ao lado dos outros). Dos Grande Villae o Branco é um vinho de grande volume e persistência, cintilante, ainda fechado, com madeira de grande qualidade, apenas um pouco alcoólico e quente demais para o meu gosto. Já o Grande Villae Tinto é um vinho mais viciante, misterioso, profundo, com nuances de bosque e vegetação durante toda a prova, mas que se mostra sem excessos, mais em delicadeza que em potência, e que termina com a firmeza do granito.

Sem dúvida que são todos vinhos para serem provados nos próximos anos, estes e todos aqueles que a adega aguarda tranquilamente pela sua chegada, como esperamos, e que assim preencham mais um bocadinho do Dão que tínhamos por descobrir.

Texto e Imagens : Marco Lourenço.

Categorias Wine Experience

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