A nossa porta de entrada no Alentejo foi Pavia, local onde desde o séc. XVII se instalaram os antepassados de Joaquim Arnaud. O Joaquim não é hoje o típico produtor, o que só pode ser um elogio. É um produtor-agricultor (palavra muito mais rara que a do “produtor-engarrafador”) que lida com porcos alentejanos (enchidos, presunto, canha do lombo), vacas (de onde vem também um invulgar presunto), ovelhas, oliveiras centenárias, pomares, cereais, e claro, as vinhas e o vinho. Sempre que possível tento conhecer melhor os produtores, pois só assim tudo o que nos escapa de um vinho nos é apresentado finalmente (ainda antes do copo nos chegar à boca, uma chatice para as provas cegas, esta declaração). Assim e desta vez, não irei falar quase nada do vinho, pois para mim é possível querer beber e gostar de algo só porque se sabe de onde vem e quem o fez (experimentem beber um Duas Quintas depois de ouvir o João Nicolau de Almeida e digam-me alguma coisa). E está lá a mão do Joaquim, o Alentejo, mas também a sua irreverência, a sua inquietação, as suas infindáveis viagens; um certo inconformismo com aquilo que pode ser feito e ainda há para fazer – aquecido a fogo com todo o peso que uma boa história sempre dá, e que ele conhece tão bem.
Às vezes parece ainda um miúdo, para quem o conhece, uma pessoa de boas maneiras que contrasta com a sua aparência de terráqueo visionário. E por isso nos mostra com todo o cuidado a casa da família, as velhas alfaias agrícolas, dois carros avariados dos anos 20, as talhas, muito e bom vinho (o espumante não é feito aqui) e um pratinho a um canto com um vinagre maravilhoso, saído de uns anexos ao lado da adega – faz tudo parte. Admiro sempre o carácter dos seus vinhos, imprecisos, cheios, profundos – e voltamos ao mesmo, poderia estar a falar do Joaquim – há ali vinhos que para já só têm números que são tremendos, que vão sair quando a conhecida pressa alentejana decidir.
Na casa de banho da casa onde mais tarde almoçámos encontrei a revista Carne e não a Caras, e também nunca irei esquecer aquela simples laranja cortada regada com azeite no final da refeição… Coisas tão boas, porque simples, porque boas.