Novidades da ilha do Pico – verão 2022

Novidades da ilha do Pico – verão 2022

É um privilégio poder assistir de perto ao renascimento de uma região vitivinícola com o potencial dos Açores.

A produção de vinhos nos Açores confunde-se com a descoberta e povoamento destas ilhas. Desde essa altura que se faz vinho, dos tempos que o vinho de cor dourada era o mais valorizado, servido à mesa de reis e czares. Desses tempos até ao séc. XXI muitas vindimas foram feitas.

Assistimos, desde o início da segunda década deste século ao renascimento da produção vinícola da ilha, não só em quantidade como em qualidade, acompanhadas do devido reconhecimento e exposição mediática.

Nos últimos 2 a 3 anos assistimos a uma nova fase: a consagração dos produtores mais estabelecidos, entre os quais a Azores Wine Company e a Picowines (Cooperativa Vitivinícola da ilha do Pico) e o aparecimento de novos projetos feitos por jovens enólogos com forte ligação à terra. Nas outras ilhas o processo está a ser mais lento, mas lá chegará. Na ilha Graciosa os vinhos da Cooperativa estão melhores que nunca e com uma grande surpresa em carteira, nos Biscoitos (ilha Terceira) surgem alguns pequenos projetos com ambições de produzir vinhos de qualidade elevada e, pasme-se, até na ilha de Santa Maria há um projeto da cooperativa local para dinamizar a produção de vinhos daquela que é, quanto a mim, a paisagem vínica mais bonita de Portugal, a baía de São Lourenço.  

A estadia de verão na ilha do Pico é dada a excelentes banhos de mar e a boa gastronomia, sendo um pecado mortal não experimentar os fabulosos brancos da ilha. Foram abertas várias garrafas, mas muitas mais ficaram de fora. Vinhos que mereciam ser provados e divulgados. É sobre os vinhos desta ilha e as suas novidades que se lançam hoje os dados.

A chegada à ilha quase coincidiu com a passagem de André Ribeiro e os seus Entre Pedras à porta. Caixas carregadas na carrinha de caixa aberta e um bronze só ao alcance dos que andam entre as pedras dos currais debaixo do sol de verão. Aí está ele de caixa debaixo do braço com um aviso: “estes dois não têm rotulo, ainda estamos à espera”. Agora que escrevo estas linhas ainda falta abrir o Entre Pedras Arinto dos Açores 2021. Na ilha, logo no mesmo dia, foi aberto o Efusivo 2021 branco. Um branco de mistura de castas açorianas, num registo equilibrado, a apresentar as características dos vinhos açorianos de salinidade e acidez sem exageros. Resulta muito bem como vinho para entradas, mariscos, saladas e massas com frutos do mar. Deste produtor ficou na memória o vinho seguinte que segue na primeira edição, o Entre Pedras Verdelho 2021. Que vinho! O verdelho é das três castas autóctones a mais frutada, mas aqui essa fruta está em diálogo com a tensão, salinidade e acidez típica das ilhas. Um registo muito vertical, viciante, especialmente para os amantes de emoções fortes.  

Mais tarde abriu-se o Rola Pipa 2020 da Picowines. Ainda uma novidade. Composto pelas três castas autóctones, apresenta-se tipicamente açoriano num registo com menos arestas, menos incisivo e mais redondo na prova, também com alguma untuosidade que a isso ajuda. Um bom vinho para chegar a um público mais alargado. Seguiu-se a surpresa da noite. E que surpresa. Um vinho com história, um valor seguro que não costuma surpreender – pelo menos nas edições mais recentes – Frei Gigante 2019. Esta edição está fabulosa, pleno de aroma a alga, pedra vulcânica molhada batida pelo mar, profundamente salino, tenso e longo. Foi provado ainda sem rótulo, no Pico, num balcão com vista para o mar e todos sabemos o que uma noite bem passada num local idílico faz pela prova. Mesmo assim creio não estar a exagerar se escrever que este recente 2019 não está nada atrás dos seus irmãos mais velhos e de maior estatuto da Picowines.

Outro vinho provado, num jantar na Tasca O Petisca – e que bem se come lá – foi o Canada dos Ladrões Verdelho 2021 da Cátia Laranjo. É uma novidade 100% verdelho da jovem enóloga picarota que tem no seu portfólio os ETNOM. Mil e poucas garrafas de um vinho paradoxal, pois no nariz apresenta-se bastante frutado para um açoriano para depois mostrar toda a sua garra na boca. Um vinho desconcertante e intenso. Mais uma bela surpresa. Desta produtora irá sair, nos próximos tempos, um topo de gama de vinhas velhas.

Estes dois jovens produtores (Entre Pedras e Cátia Laranjo) encarnam uma nova geração de jovens locais que está a aparecer na ilha e já com provas dadas. Com ligações profundas à terra, aprenderam com quem sabe e agora lançam-se em nome próprio. Cometem e cometerão erros, arriscam abordagens com menos intervenção e aprendem muito rápido. A sua evolução enquanto produtores tem sido notória e os vinhos estão aí para falar por eles.

O final deste jantar foi arrematado com pompa e circunstância pelo licoroso 10 anos Cooperativa Vitivinícola da ilha do Pico. Quem não puder chegar ao fabuloso e sobejamente conhecido Czar, tem aqui uma excelente alternativa.

Noutro jantar – dito assim fico sem a oportunidade de dizer que foi um festival de cavacos – os vinhos da noite foram o Arinto dos Açores 2020 magnum da Picowines e o Ameixâmbar Arinto dos Açores 2021 da Adega do Vulcão. Companheiros certeiros para o manjar porque são vinhos delicados, frescos, sem qualquer exagero aromático e que sabem a mar complementando e não tapando o sabor do magnífico marisco. Os dois em bom plano com o Ameixâmbar mais polido, redondo e contido enquanto o da Picowines é atrevido na acidez e mais fresco.

O tempo estava contado e não é possível ir a todas, mas uma ida visita ao produtor Tito Silva foi agendada para conhecer as novidades dos seus Cerca dos Frades, ao fim do dia no lugar do Lajido. Recuperou uma antiga adega de família transformando um espaço espartano numa esplêndida sala de provas com espaço exterior junto ao mar sobre a rocha vulcânica. Um lugar idílico para terminar a tarde do último dia de estadia. Bem recebidos, como sempre, provamos os vinhos de 2020. Última edição no mercado, o blend A Cerca dos Frades 2020, está em grande nível, superior ao 2019, equilibrado e com tudo no sítio. Uma peça de relojoaria onde tudo funciona em sintonia sem nada se sobrepor. Um vinho que nos faz pensar que devia haver um topo de gama composto pelas três castas. Grande vinho. Seguiu-se uma novidade do produtor, o A Cerca dos Frades verdelho 2020. Neste verdelho reina o equilíbrio. Pensado a régua e esquadro, tem tudo o que os outros têm de uma forma mais comedida, sem excessos de tensão, de salinidade ou fruta. Muito afinado. No final, o A Cerca dos Frades Terrantez 2020. Muito novo e misterioso, algo fechado ainda. Aromas florais e de fruta de polpa misturados com a acidez e salinidade típica dos Açores ao que se adiciona uma grande estrutura na prova de boca, largo e de final longo. Um grande vinho para guardar e ir bebendo as poucas garrafas que é possível conseguir. Outro vinho irá sair deste produtor em conjunto com enólogo/produtor sobejamente conhecido. Uma novidade na manga para sair breve.

O tempo voa com um conversador nato como o Tito. Das 18h às 21h30 foram dois dedos de conversa e quando a maré já ia alta e a conversa a aquecer era chegada a hora de terminar a viagem em beleza e ir jantar ao magnífico restaurante da adega da Azores Wine Company. A experiência foi de tal modo extraordinária em termos vínicos e gastronómicos que merece um texto inteiramente dedicado.

Tags: AÇORES, azores

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