Herdade do Cebolal na Adega

Herdade do Cebolal na Adega

Já sentia saudade das tertúlias de sexta feira à noite na Adega da Avó Bé na Marinha Grande… Na terra de vidreiros é raro haver algo que desperte a atenção daqueles que gostam mais do conteúdo do que do vasilhame… pois desse último… os mestres estão todos aqui.

Mais uma vez fomos desafiados a conhecer um produtor, o seu projecto e os seus vinhos. Para acompanhar temos sempre um belo jantar preparado pelo Celso, proprietário deste cantinho sagrado para os enófilos encartados ou mesmo para os que ainda agora estão a começar.

Desta vez e para começar bem o ano, o produtor escolhido foi o Luís Mota Capitão e os seus vinhos da costa Alentejana, mais concretamente da Herdade do Cebolal.

A Herdade do Cebolal está neste momento à responsabilidade da quinta geração e compreende 80 hectares com cerca de 20 destinados à vinha. Os vinhos do Cebolal são vinhos que respeitam muito vincadamente toda uma filosofia passada ao longo destas gerações em que o respeito pelo terroir é o pilar central. São vinhos de mínima intervenção, que se revelam autênticos e que comunicam muito bem de onde e pela mão de quem vieram ao mundo. Em 2019 toda a produção da herdade irá passar a modo de produção biológico. Quando digo toda a herdade é todas as actividades agrícolas, pois como nos foi confessado pelo Luís, não faria grande sentido apenas focar a certificação na vinha e praticar outro tipo de agricultura no resto da herdade.

No que aos vinhos dizem respeito, para as entradas provou-se um Cebolal Castelão rosé de 2016 proveniente de vinhas velhas e feito com uma prensagem muito suave das uvas, permitindo a cor translucida e só com algumas nuances que apontam para a qualidade de uva utilizada. A este rosé foi adicionado um lote que estava destinado a um branco oriundo das mesmas uvas mas vinificado para branco. É um vinho extremamente seco, gastronómico, algo rústico, com um vegetal a sobressair, untuoso, mas acima de tudo muito delicado e prazeroso.

De seguida, antes do prato de peixe, veio o Castelão Blanc de Noir 2017, proveniente das mesmas vinhas do irmão rosé de 2016. É um vinho que assim que se sente o aroma parece um espumante e o mesmo se pressente na boca. A rusticidade, as notas de cereal e o herbáceo complexificam a prova, mas o destaque vai todo para a frescura deliciosa e uma acidez que limpa o palato de forma exemplar.

A acompanhar uma bela massa de peixe foi trazido à prova o Cebolal branco 2016, feito a partir de Fernão Pires e Arinto com maior predominância para a primeira casta. É um vinho que assenta perfeitamente na casta que o domina. Floral, algo meloso, gordo, mas ao mesmo tempo fresco e com uma acidez média a equilibrar os excessos desta casta um pouco mal amada nos dias de hoje.

Para a carne (galo assado no forno) vieram a jogo duas novidades, o Cebolal Xisto e o Cebolal Calcário. São dois vinhos de Alicante Bouschet, Petit Verdot e Touriga Nacional oriundos de talhões de predominância de xisto e de talhões de predominância de calcário. Dois vinhos altamente didácticos, pois as castas sendo iguais, bem como os métodos de vinificação e estágio, foi interessante perceber a influência do solo no processo. O Xisto era um vinho mais fresco,directo, comprido, com um herbáceo e uma fruta fresca a dominar a prova. Já o Calcário é um vinho mais volumoso, não tão fresco como o irmão e com a fruta mais de igual para igual com a madeira.

Para terminar… uma surpresa… dois brancos já com idade considerável, um Herdade do Cebolal 98 e um 99. Para além de mais um momento didáctico, que demonstrou que a longevidade de alguns branco nacionais não só é ponto assente, como em muitos casos uma necessidade para o vinho chegar ao seu esplendor. No caso destes dois exemplares, para além da longevidade, também conseguimos constatar dois anos vinícolas completamente diferentes, o 98 muito quente e seco apresentou um vinho volumoso, com uma acidez já muito soft e com notas claríssimas de café e caramelo. Já o 99, ano mais fresco e chuvoso, trouxe um vinho que ainda tem uma acidez fantástica e um floral que ainda dá um ar de sua graça por cima das notas de evolução.

Um suma uma noite de vinhos muito sérios e a sério.

Já conhecia o projecto da Herdade do Cebolal e o seu actual guardião e cada vez mais acredito que não só a natureza faz o vinho, o carácter do Homem é sem dúvida um factor essencial e primordial… e aqui está mais um belo exemplo positivo.

Artigo de Opinião por Fernando Costa

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