Herdade Aldeia de Cima

Herdade Aldeia de Cima

Estamos em viagem. A pouco e pouco penetramos pela imaginada planície alentejana, feita afinal de chãos ondulantes que nos conduzem a uma das maiores elevações deste enorme planalto, a serra do Mendro. Esta aparente monotonia de cores e paisagem contrasta com a enorme variedade de solos, climas e altitudes que aqui podemos encontrar, como nestes solos essencialmente xistosos, com tonalidades que variam entre o verde e o vermelho, desta peculiar elevação de 412 metros, estacionada nos limites do Alto e do Baixo Alentejo, que se transforma depois num extenso lençol plano até Beja… solos pobres, mas aptos, que juntamente com o sonho antigo de aqui plantar uma vinha, seduziram Luísa Amorim e a sua família a avançar em 2017 para a recuperação da Herdade Aldeia de Cima para a produção de vinhos fiéis a estas características, clássicos, com o passado distante em vista. Penso agora que essa aproximação se consegue através do tempo que leva deixar o Douro para trás, passando depois pela Taboadella, no Dão, até imergir nesta calmia, que memórias da infância de Luísa com o seu pai trazem para tão perto.

Foram distribuídos à imprensa os tradicionais cadernos com as informações mais relevantes, e é importante referir isto porque desde logo se sente uma abordagem diferente daquela que aconteceu na Quinta Nova: projecto de pequena/média dimensão (produção prevista de 100 mil garrafas, sem ambição de crescer para além disso), apenas quatro referências – dois reservas e dois topos branco e tinto, recuperação da casa principal mas sem enoturismo para já, e toda uma ideia de sustentabilidade futura destes 2400ha da herdade – dedicada ainda a uma extensa área de sobreiros e azinheiras, onde um rebanho de ovelhas da raça merino pasta durante todo o ano – são reveladoras dessa ideia mais familiar e tranquila que constituiu este desafio, o de reencontrar o equilíbrio natural deste montado alentejano.

Tem de haver um sentimento no investimento, há um conjunto de primeiras emoções e sensações que nos guiam e, estou em crer, guiaram o casal Luísa Amorim e Francisco Rêgo neste desejo antigo que agora se vai realizando. Para isso criou uma equipa forte que substituísse a intervenção pela sabedoria, feito conseguido através da experiência que estas pessoas já levam: Jorge Alves e António Cavalheiro na enologia, com a coordenação de José Falé na gestão da herdade. Todos contribuíram para uma das primeiras ideias fortes (e naturalmente controversa) do projecto: a plantação da primeira vinha em socalcos do Alentejo, tirando partido da irregularidade e altitude da encosta Sul da Serra do Mendro. Para esta vinha de 14 hectares designada por Vinha dos Alfaiates virão algumas das tradicionais castas do Alentejo – Trincadeira, Alicante Bouschet, Alfrocheiro, Aragonês e Antão Vaz – às quais se juntará a Baga. Depois já numa outra zona de planície surgirão outras duas vinhas com Roupeiro, Perrum, Antão Vaz, Arinto, Alvarinho e Aragonês. Existe ainda um pequeno talhão mesmo em frente ao edifício da adega, agora recuperado, designado por Vinha da Família, onde alguns ensaios de castas como o Castelão, Diagalves, Moreto, Tinta Caiada ou Tinta Miúda vão ocorrer.

A adega foi alvo de uma intervenção minimalista, sobressaindo assim o equipamento adquirido para dar vida a estes vinhos, e que já fazem as delícias da equipa de enologia: balseiros de carvalho francês de 3000 litros, cubas de cimento Nico Velo de 2600 litros, Turtles de cimento de 1000 litros, várias pequenas tinajas de terracota, cubas Le Jeune de 7500 litros, barricas de 500 litros também de carvalho francês… os primeiros vinhos que agora saem foram já feitos tendo em conta as castas escolhidas para os novos vinhedos e o equipamento já adquirido, replicando assim aquilo que virá a ser o perfil dos vinhos num futuro próximo. Para já a opção passou pela compra de uvas provenientes da Vidigueira, Estremoz e Castelo de Vide, com vinificação e estágio nos “vizinhos” do Rocim. Os brancos acusam mais o difícil ano de 2017, são quentes e focados no preenchimento da boca, mais opulento o Alyantiju que para já tem as notas da tosta da barrica – só o Reserva passa também pelo cimento – ainda a comandar toda a prova. Nos tintos o equilíbrio está nesta fase melhor conseguido, especialmente no topo de gama Alyantiju, que está soberbo, muito fino e sofisticado para um Alicante Bouschet desta idade. Não será por acaso que Jorge Alves o considera um dos melhores vinhos que já fez…

Nota final para a excelente tarde proporcionada aos presentes, que incluiu a visita aos locais das várias vinhas, por entre sobreiros e cancelas a fechar para que as ovelhas não se percam, os sempre emocionantes cantares do grupo de cante alentejano da aldeia vizinha de Santa Ana ao pôr do sol, enquanto José Avillez nos ia preparando deliciosas recriações dos tradicionais gaspacho, tosta de pão alentejano com petinga em tomatada, a sopa ou o cordeiro com puré de grão. É um local muito especial para se esperar pelas primeiras boas uvas que estas terras irão dar. Lá chegaremos!

Texto por Marco Lourenço

Tags: alentejo

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