Dentro da Garrafa com Paulo Matos – Quinta de Paços

Dentro da Garrafa com Paulo Matos – Quinta de Paços

Fomos “até” à Quinta de Paços para ter uma pequena conversa com o Paulo Matos Graça Ramos. O Paulo é Doutorado em Ciências Empresariais, MSc Marketing & Product Managment, Cranfield University (ambas sobre o mercado de vinhos) e é o Diretor Geral da Quinta de Paços e ainda Professor Universitário.  

Cegos por Provas (CpP): Onde ficam as vossas vinhas e como começou a tua aventura no mundo dos vinhos?

Paulo Matos Graça Ramos (PM): Ficam em duas das sub-regiões da DOC Vinho Verde: Monção-Melgaço e Cávado. Temos uma vinha de 9ha em Monção na Casa do Capitão-mor, na freguesia de Mazedo com solos em terraço fluviais cobertos de calhau rolado. No Cávado, em Barcelos, neste momento temos vinhas em duas quintas: na Quinta de Paços com cerca de 5ha, na zona ao sul do Cávado e na Quinta da Cotovia a caminho de Ponte do Lima com 3,5ha. Aqui os solos são graníticos franco-arenosos de granito amarelo e branco, rico em quartzo.  

A minha aventura começou desde muito pequeno, a fazer as vindimas da família, e a ver os meus tios avós a fazer os vinhos na adega. São mesmo das memórias mais antigas que tenho. Sou um pouco como Obelix, que caiu no caldeirão da poção mágica em criança (no meu caso foi cair no pipo, ou molhar o dedo na aguardente acabada de destilar). Este é o destino de quem é a 15ª geração de viticultores, e ao qual não consigo escapar…   

Sou, por isso, adepto igualmente de blends de várias castas como a do nosso “Family blend” que é uma espécie de receita de família…”

CpP: Fala-nos da tua visão sobre o Alvarinho e as outras restantes castas que trabalhas.

PM: O Alvarinho é para mim a grande casta branca ibérica e uma das maiores do mundo, ainda com um enorme potencial de crescimento e de desenvolvimento. Eu gosto muito de a trabalhar e de recuperar a forma como era feita ancestralmente antes de ser invadida pelo paradigma de “jovem, fresca e com fruta tropical”. O nosso “Casa do Capitão-mor Sobre-Lias” recria isso: vinhos que ficavam muito tempo nas borras finas, em barricas usadas e que faziam a fermentação maloláctea. No fundo, um perfil que os aproximava mais dos vinhos de Borgonha do que da conceção corrente de “Vinho Verde”. Esse tipo de alvarinho e um vinho tinto foram os primeiros da Sub-Região a serem premiados já em 1888 em Berlim.

Gosto igualmente de vinificar por parcelas e ver que na mesma quinta temos resultados muito diferentes em função da exposição, mas também da idade e tipo de condução da vinha. Por exemplo o nosso Casa do Capitão-mor Reserva é um vinho de parcela e que recupera igualmente a tradição da maceração pré-fermentativa e que começamos a fazer já em 2007. 

O Loureiro é uma paixão que veio um pouco mais tarde, (se calhar por preferir as morenas às loiras). Mas só me atrevi a fazer o “Casa de Paços Loureiro Reserva” quando as vinhas mais antigas de Loureiro ultrapassaram os 30 anos de vida. 

Depois combinar castas é outro trabalho muito estimulante. Fiz o primeiro Blend de Alvarinho e Loureiro na região, em 1996, hoje dos mais utilizados por vários outros produtores, e onde é muito interessante ver como ambas as castas de completam. Neste caso até combino o terroir de Monção com o de Barcelos (50/50).  

Sou, por isso, adepto igualmente de blends de várias castas como a do nosso “Family blend” que é uma espécie de receita de família com Alvarinho, Arinto, Fernão Pires e Loureiro, e que terá sido com essa combinação que tivemos o nosso primeiro prémio já em 1876 nos EUA.     

Depois sou um grande adepto da Arinto, uma casta exclusivamente portuguesa e que está presente em quase todas as regiões de Portugal. Fui igualmente pioneiro na região ao fazer em 1999 um 100% Arinto (abandonando a designação de Pedernã), fermentado e estagiado em Barricas de Carvalho (na altura português) e com batonnage e estágio longo nas borras.   

Também gosto de trabalhar castas menos obvias na região, como o Moscatel Galego que existia na região no passado, mas que tenho de fazer como IVV por não ser uma casta admissível nem sequer para vinho regional Minho. Mas também a Fernão Pires, outra casta exclusivamente portuguesa e que permite fazer vinhos de perfis diferentes.  

CpP: A tua forma de trabalhar tem mudado ao longo dos anos?

PM: Obviamente. Estamos em constante evolução e mutação, mas sempre de forma gradual. Mas confesso que continuo com a mesma vontade de experimentar e inovar. Vou ter alguma coisas novas para lançar em breve que acho que serão igualmente interessantes. Na altura em que comecei a intervir mais nos vinhos nos meados dos anos 90 havia mais reação à inovação e não havia tanta cobertura dos media como existe agora. Neste momento tento renovar algumas tradições e tento estudar as formas como se faziam os vinhos nas duas quintas, tentando acrescentar sempre algo de novo. 

Vale sempre a pena cruzar as sub-regiões com destinos turísticos conhecidos aproveitando sinergias entre elas.

CpP: Monção e Melgaço são diferentes da restante região dos Vinhos Verdes?

PM: Sim, sem dúvida. Como faço vinho em duas sub-regiões para mim isso é evidente. Mesmo dentro dessa sub-região existem bastantes diferenças, por exemplo em função dos solos. Mas isso não se aplica só a Monção e Melgaço. A Sub-Região de Baião, por exemplo, é outro caso que merecia uma DOC especifica. Outras deveriam voltar a ser reunidas, como a Cávado e o Ave, que não diferem assim tanto entre si, e que antes estavam reunidas na mesma Sub-Região, a de Braga, e que que neste tem uma boa notoriedade com destino turístico, e que seria de aproveitar. Vale sempre a pena cruzar as sub-regiões com destinos turísticos conhecidos aproveitando sinergias entre elas. Nesse sentido até faria sentido criar a Sub-Região de Braga-Guimarães.       

CpP: Se fosse hoje plantarias outras castas ou em diferentes proporções?

PM: Sim, estamos a renovar o emparcelamento e por exemplo teria mais percentagem de Padeiro que é excelente para rosés, ou o Alvarelhão que já tivemos em Monção, mas que convertemos para Alvarinho porque na altura não havia quase interesse pela casta. Mas é sempre um assunto que está em consideração. 

Deixar de ser só a DOC “Vinho Verde”. Precisamos de uma nova DOC que valorize ainda mais os nossos vinhos.

CpP: Qual o futuro da região dos Vinhos Verdes?

PM: Deixar de ser só a DOC “Vinho Verde”. Precisamos de uma nova DOC que valorize ainda mais os nossos vinhos. Podemos ser uma das melhores regiões de vinhos brancos do mundo (e também de tintos mais ao estilo Borgonha, bem como de rosés e Espumantes). Mas para isso temos de ter uma DOC “Minho”, mantendo a DOC Vinho Verde com o seu apelo inicial, mas com uma nova DOC que se posicione de forma diferente. No passado isto era assim. O Vinho Verde tradicional dos séculos passados seria, no fundo, uma espécie de Pet Nat que os lavradores bebiam enquanto jovem. Mas depois existia igualmente o “Vinho dos Senhores” que eram vinhos mais sérios e com graduações mais elevadas e sem gás (dado que muitos faziam a malolática antes de serem engarrafados). Eu sei que na região sul da DOC Vinho Verde reagem um pouco à designação “Minho”, por acharem que tem apenas que ver com o que é hoje a parte norte. Mas os habitantes de Entre-Douro-e-Minho, eram, desde sempre, conhecidos genericamente como “minhotos”. Logo, acho que faz todo o sentido essa designação, até por já haver o IG Minho. No fundo deveríamos fazer como os italianos na região da Toscânia, conhecida no passado sobretudo pelos Chianti. Ao ao criarem os “Toscana”, depois conhecidos como os “Super Tuscans”, passaram-se a bater com os melhores Cru Classé de Bordéus. Esse é, para mim, o caminho: manter a designação e DOC Vinho Verde, mas criar uma nova DOC bem como elevar as Sub-Regiões igualmente ao estatuto de DOC (com também acontece, por exemplo, em Bordéus).       

Paulo muito obrigado pela disponibilidade! Muito sucesso e novas conquistas para a Quinta de Paços. Até breve.

Carlos Figueiredo – Cegos por Provas

Acerca

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Os Cegos por Provas nasceram através da plataforma Facebook, apaixonados pelo vinho, o grupo desenvolve vários eventos vínicos a nível nacional.