Foi na primeira década do século XXI que José Maria Soares Franco e João Portugal Ramos se associaram para desenvolver um projecto vitivinícola de referência na mais antiga região demarcada do Mundo, ao qual deram o nome de “DUORUM”, palavra latina que, significando “de dois”, expressa o desígnio comum que os uniu.
Para esse efeito, foram adquiridas as cerca de 92 parcelas que compõem a Quinta de Castelo Melhor, em plena margem sul do Rio Douro, e a Quinta do Custódio, ambas para lá da linha que, até à assinatura em 1297 do Tratado de Alcanizes, era traçada pelo Rio Côa para delimitar os Reinos de Portugal e de Castela.
Datando de 2007 os primeiros trabalhos de preparação de terrenos e plantação de vinhas, a sociedade recorreu ao arrendamento de vinhas velhas na sub-região do Cima Corgo e iniciou um processo de crescimento contínuo que logrou alcançar já o reconhecimento nacional e internacional.
Actualmente, a Duorum Vinhos, S.A., gere cerca de 300 hectares de terrenos, vinificando as uvas que são colhidas no Douro Superior e no Cima Corgo numa adega situada em Ervedosa. Nas castas tintas, predominam a Touriga Franca, a Touriga Nacional, o Sousão e a Tinta Roriz, mas também há uvas das castas Tinto Cão, Tinta Francisca e Alicante Bouschet. Nas castas brancas, podemos encontrar Rabigato, Arinto, Códega do Larinho, Gouveio e Viosinho.
Para conhecer melhor o projecto, rumamos até Terras de Riba-Côa, onde fomos amavelmente recebidos no cenário deslumbrante da Quinta de Castelo Melhor, sala de visitas e coração da empresa. Aí, tivemos oportunidade de observar a dimensão do investimento efectuado para dotar cerca de 200 hectares de solo virgem das condições necessárias para desenvolver a produção das vinhas que lá foram plantadas. É notório também o cuidado que houve em articular a intervenção humana com a manutenção dos habitats tradicionais da região e a conservação da biodiversidade local, bem expresso pelas manchas de olivais e outros espaços naturais que ali se encontram preservados e pela utilização de matérias-primas da região em pequenas edificações e muros erigidos ou reconstruídos.
As vinhas encontram-se dispostas, em socalcos e patamares, ao longo da vasta encosta que, desde a cota mais alta (450) do planalto sobranceiro ao edifício de recepção e serviços de apoio, desce até à cota 130 próxima do Rio Douro. O desnível e as irregularidades e curvaturas do terreno proporcionam diferentes exposições solares e permitem encontrar soluções e equilíbrios diversos entre a frescura característica das maturações que se obtêm nas das zonas mais altas e a concentração daquelas que se alcançam nas zonas mais baixas e protegidas (entre as quais se chegam a verificar diferenças térmicas de 8ºC). Caso necessário, para fazer face à aridez do solo xistoso e à secura do clima de uma zona cuja precipitação média anual é na ordem dos 400 mm, é possível recorrer a um moderno sistema de rega abastecido por água que é recolhida do rio através de um equipamento que permite efectuar bombagens de 130.000 litros de água por hora.
Todo o local se encontra inserido na Rede Europeia de Conservação da Natureza (Rede Natura 2000) e na Zona de Protecção Especial para Aves do Douro Internacional e, na margem oposta do rio Douro, a paisagem é dominada pela escarpa virgem onde, por entre fragas imponentes e pequenos afloramentos de vegetação, nidificam aves rupícolas protegidas. Entre estas, destacam-se a Águia de Bonelli, o Britango, o Falcão-Peregrino ou o Chasco-Preto, este último um passeriforme (que utiliza o xisto para construir os seus ninhos) cujo nome científico (oenanthe leucura) inspirou o nome do vinho tranquilo mais exclusivo da marca Duorum: o “O. Leucura”, produzido com base nas uvas das cepas plantadas na Quinta de Castelo Melhor e que na sua primeira edição foi lançado em duas versões (Cota 200 e Cota 400), cada uma expressando a matriz que a cota onde foram colhidas as uvas confere ao vinho depois de serem sujeitas a idêntico processo de vinificação.
Após um passeio pela propriedade, o nosso anfitrião, João Perry Vidal, responsável técnico das áreas de enologia e viticultura da empresa, honrou-nos com uma prova explicada sobre os vinhos principais que suportam o projecto.
Começando pelos vinhos da gama “TONS”, foi possível verificar que o saber e a técnica permitem a obtenção de um produto final de qualidade confiável para o consumidor, fruto de uma abordagem enológica mais prática e directa mas, ainda assim, capaz de lhe conferir traços de frescura e sedosidade diferenciadores.
Em primeiro lugar, experimentamos o “Tons” Branco de 2017, elaborado com uva das castas Rabigato, Arinto, Viosinho, Gouveio e Códega do Larinho que, após um processo de desengaçamento, maceração a frio e prensagem, foram fermentadas a temperatura controlada em cubas de inox. O vinho apresenta-se com uma cor amarela citrina e um aroma expressivo marcado também por evidentes notas cítricas e alguns apontamentos florais. Na boca, é fresco e agradável. Já está a ser comercializada a colheita de 2018, da qual foram produzidas 350 mil garrafas.
Quanto ao “Tons” Tinto, trata-se de um blend de Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz, igualmente fermentado em cubas de aço inox, do qual são comercializadas cerca de 650 mil garrafas. Provamos a colheita de 2016, na qual se destacou a cor vermelha bastante viva e um aroma envolvente de frutos vermelhos. Com taninos polidos pelo estágio em barrica de cerca de um terço do lote, apresenta um bom equilíbrio entre fruta madura e acidez, o que lhe confere uma presença afinada e uma identidade capaz de agradar a diferentes tipos de público.
Feita a passagem para os vinhos da gama “DUORUM”, rapidamente se constatou a sua inquestionável categoria, não apenas devido à classe como conquistam os sentidos do provador, como acima de tudo face à forma exímia como conseguem expressar a identidade de um projecto que, desde a génese, foi idealizado para colocar a sabedoria do elemento humano ao serviço das condições geográficas, geológicas e climáticas ímpares do Douro Superior.
Começamos por provar o “Duorum Colheita” Branco 2016, composto por uvas das castas Rabigato, Viosinho, Gouveio, Arinto e Códega do Larinho. Cerca de metade do lote fermenta em cubas de inox, a temperatura controlada entre 14 e 16ºC, sendo a fermentação da parte restante efectuada em barricas novas de carvalho francês de 500 litros. De cor amarela dourada, é bastante apelativo olfactivamente, com destaque para os aromas a fruta de caroço (pêssego e damasco) e de pêra madura. Na prova de boca, revela alguma untuosidade, volume apreciável e acidez equilibrada, sendo o seu final persistente e bastante prazeroso. São engarrafadas cerca de 12 mil garrafas.
Após, foi feita a prova do “Duorum Colheita” Tinto 2016, um vinho produzido com uvas das castas Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz que, após ser fermentado em cubas de inox a temperatura máxima controlada de 28ºC, estagia durante 12 meses em barricas, 30% das quais novas. Ostenta uma cor vermelha bastante viva e, no aroma, o ambiente geral de fruta madura é fresco e marcado já pela presença de cereja, ameixa e amora, o qual se prolonga, de forma extremamente envolvente, para a boca. Aí, expressa-se um conjunto muito bem dimensionado que, suportado por taninos firmes mas elegantes, termina com amplitude. A sua produção atinge já as 120 mil garrafas.
O “Duorum Reserva Vinhas Velhas” (tinto) é um vinho feito com uvas de Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Sousão que, após a fermentação, estagia durante cerca de 18 meses em barricas de 225 e 300 litros de carvalho francês, das quais 70% são novas, o que lhe confere um carácter mais denso tanto em termos visuais, como olfactivos e gustativos. Provamos a edição de 2015 e logo fomos desafiados pela complexidade aromática do néctar, conferida por combinações de fruta de bosque, violetas e especiarias que, sucessivamente, nos foram surpreendendo com novas sensações. Na boca, é volumoso e cheio de sabor, sempre amparado por taninos precisos e por uma acidez que lhe confere bastante vivacidade. O final, longo e intenso, confirma a classe do conjunto. Foram produzidas 20 mil garrafas deste vinho cujo estilo congrega muito bem o classicismo duriense com a modernidade do projecto Duorum.
Para as despedidas, fomos brindados pelo “Duorum LBV” 2014, um vinho do Porto de grande qualidade que combina uvas das castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinto Cão e Sousão. De cor vermelha profunda, causa um impacto sensorial muito agradável, pela complexidade de um aroma no qual a fruta madura surge harmoniosamente envolvida por apontamentos florais e algumas notas de carácter mais balsâmico. De corpo bem estruturado, forma um conjunto muito equilibrado que combina excelentemente amplitude e elegância. Representou muito bem os vinhos fortificados da marca (cujo portefólio integra ainda o clássico “DUORUM PORTO VINTAGE” e o “DUORUM VINTAGE VINHA DE CASTELO MELHOR”).
Concluídas as provas e efectuada uma última incursão até soberbo miradouro sobre o rio, era claro para todos que o saber, a experiência e a mestria permitem construir um projecto sólido que, associando a tradição vinhateira da mais antiga região demarcada do mundo com a modernidade e a tecnologia, consegue oferecer ao Mundo não apenas vinhos de sucesso, mas acima de tudo, vinhos de grande qualidade que honram os seus criadores e enaltecem as características únicas do terroir de onde provêm.
Texto por J.N.Duarte