Casa de Mouraz – Uma Fénix dos tempos modernos

Casa de Mouraz – Uma Fénix dos tempos modernos

Ao contrário do tempo primaveril que tivemos no dia anterior, o dia 28 de Março de 2018 fez lembrar que a estia ainda não estava para ficar.
Assim foi, num fim de tarde algo cinzento que fomos visitar a Casa Mouraz.
Confesso que esta era a visita que mais me despertava interesse, não só para voltar a relembrar aqueles vinhos estimulantes aos sentidos que tinha conhecido há uns bons 5 anos, como também pelos recentes acontecimentos que abalaram a aldeia de Mouraz.
Fomos recebidos pelo António e pela Sara (casal mentor do projeto) na sua atual adega bem no centro da aldeia, localizada anexada de forma simples e eficaz a uma casa de familiares. Apesar de formações académicas completamente distintas da atividade que agora exercem, e de caminhos que a vida lhe trilhou por outras zonas do país, o chamamento da terra levou ao retorno a casa por parte do António (natural de Mouraz) e à mudança da Sara para esta zona do país. O vinho já estava nesta família a algumas gerações, sendo o António e a Sara percursores desta história, marcando-a com o lançamento do primeiro vinho em 2000, pois até então a uva era vendida. Uma parte muito importante e distintiva deste projeto é a filosofia de produção seguida por este casal. Os vinhos da Casa Mouraz são produzidos não só em modo de produção biológico como também em regime biodinâmico desde 2006, sendo em Portugal uma das mais antigas casas (se não a mais antiga) a enveredar por esta metodologia de produção.
Já no interior da adega, construída a partir de 2003, fomos confrontados com uma história de elevação de uma ideia a realidade, de um projeto pautado pela ponderação e sinceridade, um projeto que deveria envolver não só as 2 pessoas que o imaginaram, mas também uma comunidade..!
Ao ouvir isto percebesse que ali se trabalha uma ideia de coletivo que nos dias de hoje é bem rara de ver e encontrar… para mim o verdadeiro expoente da ideia de glocalização… uma empresa que está localizada numa pequena aldeia, que recorre a todos os recursos que a mesma lhe deixa ao dispor e no fim exporta para todo o mundo mais de 90% do que produz… interessante não… Muito interessante também, foi sempre o registo em que esta conversa foi decorrendo, sem subterfúgios, sem temas tabu, com franqueza e sinceridade, com momentos de histórias muito engraçadas… e de outras bem mais sérias…
15 de Outubro de 2017, ao princípio da noite estava perplexo a assistir da minha varanda ao espetáculo que se desenrolava no chamado “Pinhal do Rei”… Ao mesmo tempo, dividia-me entre ficar onde estava e ir ao encontro de um amigo que minutos antes tinha sabido que a fábrica onde trabalhava poderia ser o próximo pasto das chamas. Este género de histórias repetem-se em muitos outros locais do país… Horas que muitos preferiam não ter vivido… Um desses locais foi exatamente Mouraz. Localidade do interior que tal como muitas outras foi sofrendo do mal que assola metade do País… o esquecimento…Nessas mesmas horas em que eu via o que via, o António ficou na iminência de perder toda uma vida de trabalho… Desde a casa dos pais onde nasceu, às vinhas, até mesmo o armazém onde albergava praticamente todo o seu stock. Foi precisamente numa daquelas horas incontáveis que o António se viu prostrado à porta desse armazém, tomado pelo fogo e sem salvação aparente…
Sem explicação aparente, nesses instantes, de dentro do armazém começa a tocar o rádio que em tantos outros dias foi dando ânimo aos que por ali trabalhavam… a tocar não na “habitue” Antena 3, mas sim uma musiquinha folclórica bem animada… Engraçado como até do meio da tragédia se consegue retirar estes apontamentos… quase humorísticos… como é possível o raio do rádio ter começado a tocar naquele momento… já sem eletricidade, sem nada. Ok… olhando friamente e sabendo mais pormenores, o rádio tinha pilhas que talvez com a ação das altas temperaturas o ativou… Mas porquê naquele momento e não antes…? Ou não depois…? Porque é que teve de esperar que o António ali estivesse para o ouvir? E o mais engraçado foi o que o António nos contou de seguida… foi o som daquele rádio que lhe deu a força, a coragem e a motivação para entrar naquele armazém e tentar salvar o que podia…
Sei que pode parecer ridículo, mas para mim depois de o ouvir e de viver um resto de noite fantástica com o António e a família, foi este chamamento, este despertar que ainda hoje vão dando força para que este projeto vá andando em frente…Esta força, tão grande ou tão pequena, já levou a quem a recebeu a avançar, apesar das adversidades. Nova vinha já se prepara para plantar e uma nova adega já está a querer saltar do papel…
Que história…!!!
Uma Fénix dos tempos modernos
Agora que finalmente avanço para a ultima parte do texto sobre a visitas que os “Cegos” fizeram à Casa Mouraz, vou (finalmente) focar no principal motivo que a visitar esta casa… os vinhos. No que a eles diz respeito, tivemos dois momentos distintos. O primeiro na adega com prova diretamente das cubas e o segundo no restaurante “3 Pipos”, uma referência da gastronomia beirã. Na adega tivemos a oportunidade de provar dois brancos, 1 rosé e dois tintos. Pessoalmete esta prova foi a confirmação de uma ideia que já tinha sobre esta casa e que já nas outras partes dos textos fui deixando transparecer. Apesar de um respeito vincado sobre a filosofia que esta casa segue, existe também, uma capacidade e abertura para atender aos pedidos e necessidades que os seus clientes vão tendo e apresentando. É disso exemplo um tinto de 2017 que apesar de ser um belo exemplo daquilo que é a Casa Mouraz, encontra-se mais pronto que todos os outos que provamos, fruto de um pedido de um cliente que precisava de um vinho o mais jovem possível e com um nível de prontidão acima do que costuma ser a matriz da casa. Nos brancos provou-se o Colheita 2017, vinho que é a “cara” da Casa Mouraz. Estamos a falar de um blend de imensas castas, algumas delas que o ouvido nunca tinha escutado mas com predominância para Malvasia-Fina e Bical. Trata-se de um vinho fresco, com uma bela mineralidade, já numa fase bem interessante e surpreendente que apesar de tão jovem já nos deixa a pensar.
O outro branco foi o encruzado de 2017. Confesso que sou fã dos encruzados de Mouraz, que apesar de não serem consensuais, me deixam com uma sensação de satisfação que poucos outros brancos me provocam….Nos tintos, para além do já referido, também provamos um touriga nacional de uma das vinhas que ardeu… A sensação com que fiquei ao provar este vinho foi apenas, pena e algum desgosto pois estive perante um vinho que me baralhou os sentidos e que me proporcionou um momento de prova fantástico…Depois da visita às vinhas, adega e subsequente prova na mesma, já com a noite bem caída lá seguimos para a segunda etapa desta “maratona”… Paramos em Tonda, casa do restaurante 3 Pipos, que nos recebeu com uma refeição/manjar de coisas boas como por exemplo um entrecosto em vinha de alhos ou outras pequenas (grandes) coisas como um “simples” arroz de feijão que encheu a alma de alguns do convivas…No que aos vinhos diz respeito fomos bafejados pela sorte de ter um anfitrião que não se acanha em mostrar o que faz… apenas posso dizer que caso a noite fosse maior mais surpresas teríamos tido…Para começar tivemos a oportunidade de testar os Verdes brancos que o António também faz, os “ALR” (António Lopes Ribeiro) também (propositadamente digamos) confundidos com “AIR”…São verdes muito “sui generis” oriundos de Geraz do Lima, com pouquíssimo álcool (max. 10.5), com Loureiro, Avesso, Arinto e Trajadura. Provamos o 16, 15 e o… 11… pois… 11… com 9.5 de álcool… Mas já agora adivinhem qual o favorito….? Pois esse mesmo o 11 Estava fantástico, com uma evolução extraordinária para um vinho tão delicado. Delisioso é o mínimo que se pode apontar. Dos comentários que se fizeram ouvir, retenho o desafio que lançaram a este vinho para o colocar “às cegas” e ver quantos diriam que se estava na presença de um verde… com 9.5…De seguida levou-se a teste mais um set de brancos, agora de volta aos Dão com os 16, 15 e 12 da Casa Mouraz. Estes brancos tal como o 17 que se provou na adega são vinhos de um blend de mais de 15 castas. Destaco o 16 pela sua brilhante delicadeza e o 12 com uma evolução fantástica e ainda com um bom caminho para percorrer.Ainda nos brancos provou-se 2 encruzados de anos diferentes, 16 e 08. O 16 está já numa fase muito interessante, com um aroma muito fino e com a boca que tal como o blend do mesmo ano, bem delicada. Mas sem duvida que a grande surpresa foi o 08. Que vinho fantástico, que evolução… e saber que este exemplar veio do armazém que ardeu… Para mim foi o melhor branco da noite. Antes de passar aos tintos ainda provamos uma curiosidade/novidade da casa, um vinho sem sulfitos, o “Bolinha”. Aroma e sabor bem intensos a fruta cítrica, quase que fazia lembrar um “Mojito”. Um vinho curisoso a testar bem fresco e numa boa esplanada. Passando aos tintos começamos pelo ALR V.Verde Tinto, feito de Vinhão,Borraçal e algum Loureiro. É um vinho de cor clara visto que o processo de vinificação seguido foi o mesmo que se aplica aos brancos. Para mim é um vinho que devido à frescura que transmite tornasse viciante. Não é um V.V. Tinto habitué, mas personifica outros caminhos que a região pode tomar bem diferente dos dominantes Vinhão que por vezes se tornam “mortíferos”. Voltando aos Dão iniciamos prova com o colheita 14 e o Private Selection 13. O primeiro é tal e qual o trabalhar do branco, muitas castas que nos baralha tal é a complexidade… um registo que dificilmente terá concorrência neste patamar de preço. O Private é para mim o único vinho da casa que não “grita” Mouraz. É um vinho que apesar de muito interessante vai ao encontro que maioritariamente hoje se faz no Dão, com a madeira a aparecer e a Touriga Nacional a predominar. Para o final ficaram os tão aguardados “Elfa”. Tivemos o prazer e o privilégio de provar as 3 edições, 10, 13 e 14. O 10 é aquela colheita que ainda não se repetiu e que na minha opinião dificilmente se repetirá, pois a quantidade de variáveis que o processo de feitura deste vinho tem… desde pontos de maturação das mais de 30 castas que o compõe até à quantidades que cada parcela de cada casta dá naquele ano especifico.

Texto escrito por Fernando Costa

Categorias Wine Experience

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Os Cegos por Provas nasceram através da plataforma Facebook, apaixonados pelo vinho, o grupo desenvolve vários eventos vínicos a nível nacional.

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